Na Amazônia, 20% das bacias sofrem alto impacto de atividades humanas

Projeto usou dados de estudos relacionados a hidrelétricas, rodovias, agropecuária e garimpo

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São Paulo

Pelo menos 20% das microbacias da Amazônia sofrem alto impacto de atividades ou infraestruturas que ocorrem ao seu redor, como hidrelétricas —principal agente de pressão—, mineração e garimpo ilegal, estradas e agropecuária.

Essa é a conclusão de um novo índice, o IIAA (Índice de Impacto nas Águas da Amazônia), criado pela Ambiental Media, com apoio do Instituto Serrapilheira e participação de pesquisadores.

O índice faz parte do projeto Aquazônia, lançado nesta quinta-feira (5).

O IIAA vai de 0, que significa impacto muito baixo, até mais de 5, para classificação de impacto extremo.

Águas amazônicas divididas por pedras, formando o que parecem ser pequenos rios
Pedrais na região da Volta Grande do rio Xingu, área de influência da hidrelétrica de Belo Monte - 29.ago.2018 - Lalo de Almeida/Folhapress

Foram analisados dados de hidroeletricidade, exploração mineral, hidrovias, agropecuária, degradação florestal, cruzamentos de rios com estradas, área urbana e mudanças climáticas em 11.216 microbacias da Amazônia Legal.

Dessas, 2.299 apresentam um impacto tido como alto pelo IIAA.

O top cinco de áreas mais impactadas —e, dessa forma, com números mais altos no índice— tem presença de bacias com hidrelétricas. São elas: a do Madeira, que tem a hidrelétrica Canaã, em Rondônia; a do Tapajós, com a hidrelétrica Braço Norte, em Mato Grosso; a do Xingu, região da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará; a do Tapajós, com a hidrelétrica Paranorte, em Mato Grosso; e a do Madeira, novamente, com a hidrelétrica Jamari, em Rondônia, mais uma vez.

Filtrando pelas microbacias com impactos alto, muito alto ou extremo, cerca de 50% —o que representa 1.146— estão em áreas de afetação de hidrelétricas. Curiosamente, 478 (21%) dessas microbacias com elevados graus de impactos sofrem, ao mesmo tempo, com a presença de mineração (ou garimpo ilegal).

Segundo o levantamento, a bacia do rio Putumayo-Içá é o corpo d’água tributário do rio Amazonas que mais sofre com mineração, com impacto em 63% do percurso.

O índice também aponta a situação em unidades de conservação e em terras indígenas. Nas primeiras, cerca de 23% (ou 77) possuem índice de impacto alto —dez estão em Rondônia. No caso da áreas indígenas protegidas, 14% (53) têm índices de impacto altos, muito altos ou extremos.

Na Amazônia, um bioma em que a agropecuária é conhecida como vetor de desmatamento e queimadas, logicamente a atividade também teria impactos considerável em algumas regiões.

Segundo os dados do projeto, as bacias (todas tributárias do rio Amazonas) Curuá-una, Guamá e Pacajá estão em áreas totalmente impactadas pelo agronegócio.

As bacias dos rios Tocantins e Xingu não estão muito atrás: 98% da área de ambas sofrem impacto dessa atividade econômica.

Vale destacar que, apesar de contar com a participação de pesquisadores, o índice não tem a intenção de ser científico. Thiago Medaglia, fundador da Ambiental Media e coordenador do projeto, afirma que se trata de uma iniciativa baseada em ciência, mas ainda assim um trabalho de cunho jornalístico.

Medaglia diz que a ideia do projeto surgiu ao se dar conta de que, ao falar de Amazônia, o foco é quase sempre e exclusivamente a floresta.

"Quando a gente fala em desmatamento temos cenas chocantes da floresta sendo desmatada ou conseguimos mensurar via satélite", afirma o idealizador do Aquazônia. "Mas quando falamos de água é mais difícil que isso seja, de alguma forma, medido e percebido."

Daí surgiu a ideia de um índice que pudesse passar uma percepção do que está acontecendo com as águas amazônicas.

Olhar para as águas desse bioma e de outros é algo relevante, especialmente em um contexto de mudanças climáticas. Dados do MapBiomas Água apontam um país que seca. O Brasil perdeu, de 1991 até 2020, cerca de 15,7% da superfície de água que possuía, o equivalente a 3,1 milhões de hectares. O Pantanal teve redução de 74% da superfície de água, e a Amazônia, de cerca de 13%.

Mas, voltando ao IIAA, para se fazer um índice, são imputados determinados pesos para diferentes elementos que o compõem. As hidrelétricas tiveram o maior peso, explicando, assim, o motivo de áreas mais impactadas serem, em geral, próximas a essas estruturas.

Segundo Cecília Gontijo Leal, consultora científica do Aquazônia e pesquisadora da USP, isso não é à toa. "Uma hidrelétrica é uma alteração completamente drástica em um curso d’água", afirma. "Não tínhamos dúvida. O consenso é que hidrelétricas e barramentos são o que pode acontecer de mais drástico em um rio."

Apesar de o impacto dessa forma de geração de energia não ser algo necessariamente surpreendente, algumas surpresas surgiram. Gontijo Leal aponta que, pelo índice, é possível ver que, quando há hidrelétricas, outros fatores de impacto se somam, aumentando o peso dessa estrutura na equação.

"Um impacto pode potencializar os efeitos de outro e, nos sistemas biológicos, está tudo muito interligado", afirma a pesquisadora.

Gontijo Leal e Medaglia questionam os licenciamentos individualizados das hidrelétricas, sem uma avaliação integrada com outras dessas estruturas e considerando efeitos cumulativos. "Licenciar uma por uma é muito fácil", diz a cientista.

Segundo o coordenador do Aquazônia, é preciso tomar cuidado com a máxima de que hidrelétricas são sempre soluções positivas. "Não é que não pode construir usina, mas é construir com estratégia, o que precisa englobar não só a produção de energia, como também serviços ecossistêmicos e os processos naturais dos rios. Tem vários estudos que demonstram que os estudos de impacto deveriam ser melhores e podem ser melhores. Existem métricas para isso."

Apesar de o mapa aquático dos impactos na Amazônia já estar bem colorido, os dados do projeto ainda não estão completos. Mas isso por falta de informações confiáveis e de qualidade para pontos como pesca e contaminação por agrotóxicos.

Um dos objetivos da iniciativa, inclusive, é ajudar a trazer ao debate público a necessidade de mais dados sobre a saúde dos rios da Amazônia e as lacunas científicas e legislativas relacionadas ao assunto, diz Medaglia.

"São dados importantes que precisaríamos incluir, mas eles não existem. O índice deve estar subestimando o que acontece", afirma Gontijo Leal.

A pesquisadora da USP faz ainda outra ressalva. O IIAA aponta somente a distribuição das ameaças. Ou seja, não foi feita uma análise qualitativa das águas das bacias da Amazônia ou os possíveis impactos sobre a biodiversidade local, por exemplo.

A Folha enviou questionamentos para os ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia, de Infraestrutura, para a ANA (Agência Nacional de Águas) e para a ANM (Agência Nacional de Mineração).

Somente a ANA respondeu até a publicação desta reportagem. A agência afirma que ainda não tomou conhecimento do índice e que, no "processo de emissão da outorgas de direito de uso de recursos hídricos para águas da União (interestaduais e transfronteiriças), a ANA considera condicionantes ambientais do Ibama ou do respectivo órgão ambiental competente".

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