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Planeta em Transe Eleições 2022

Diretrizes do PT só prestam homenagem à questão do clima

Esboço de programa traz avanços no tema do aquecimento global sem mencionar descarbonização

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São Paulo

Os 121 parágrafos do documento "Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil" do Partido dos Trabalhadores, no que respeita à crise climática do planeta, têm coisas novas e coisas boas. O problema é que as coisas novas são superficiais e as coisas boas são poucas.

A maior novidade está no destaque dado para temas ambientais. Já a partir do item 47, antes portanto da metade do rol de boas intenções, o objetivo do desenvolvimento econômico aparece condicionado ao imperativo de ser também sustentável do ponto de vista socioambiental e climático.

Verdade que aumento de emprego e renda e contenção de preços surgem antes da promessa de combater a predação de recursos naturais e fortalecer o Sistema Nacional do Meio Ambiente e a Funai. Não seria de esperar outra coisa num momento do país em que os salários recuam e a inflação galopa.

O ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) e o ex-presidente Lula (PT) na apresentação das diretrizes do plano de governo, em São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

De todo modo, ver o tema da sustentabilidade prestigiado e, mais, enriquecido pelos qualificativos "socioambiental" e "climática" representa um avanço. Ou melhor, uma retomada das linhas que norteavam políticas da área nos primeiros governos do PT, antes do desenvolvimentismo da presidente Dilma Rousseff.

É bom, assim, ver reafirmado o compromisso com as metas nacionais no Acordo de Paris (2015) para redução das emissões de gases do efeito estufa. Soa mais crível vindo de um partido que teve Marina Silva (Rede) no Ministério do Meio Ambiente do que de um governo que preferiu o playboy boiadeiro Ricardo Salles (PL).

Nesta altura da crise climática, porém, limitar-se a observar objetivos de sete anos atrás é muito pouco. Na pauta da negociação internacional se encontra hoje o aumento das ambições nacionais, e nisso o documento não toca.

As diretrizes fazem uma mesura à ex-ministra, cujo partido participa da aliança liderada pelo PT, ao reivindicar seu sucesso de 2004 a 2012 na redução do desmatamento, nossa maior fonte de poluição climática. Prometem combate implacável às derrubadas ilegais e, de maneira realista, promoção de desmate líquido zero.

Em outras palavras, o documento reconhece, implicitamente, a inviabilidade de impedir todo e qualquer desflorestamento, mesmo porque proprietários estão legalmente habilitados a tanto. A proposta é compensar as perdas de vegetação natural com recomposição de áreas degradadas e reflorestamento.

Como se tornaria implacável, contudo, o combate ao desmatamento ilegal? Nos dois governos Lula a devastação se reduziu com embargos de propriedade, listas de municípios campeões em derrubadas e restrição de crédito por bancos oficiais.

Nenhum desses instrumentos aparece nas diretrizes. Se falam em revogar o teto de gastos e em "abrasileirar" preços de combustíveis fósseis, poderiam mencionar de modo mais concreto, também, por quais meios se pretende estancar a hemorragia de carbono com Jair Bolsonaro e a carta branca à agropecuária predatória.

Há um ensaio de atualização antenada com a emergência climática quando o documento defende uma reforma tributária que "contemple a transição para uma economia ecologicamente sustentável". De novo, seria preferível explicitar medidas específicas, como a taxação do carbono defendida por Bernard Appy.

A palavra "carbono" só aparece uma vez no texto, e ainda assim numa expressão estranha, "gás carbono" (gás carbônico ou dióxido de carbono, talvez). Tampouco se fala em descarbonização da economia, em eletrificação dos transportes, carros elétricos ou energias alternativas e limpas (só em renováveis).

A razão dessas omissões é transparente: o PT segue enamorado com o pré-sal e acorrentado ao papel indutor do desenvolvimento que atribui à Petrobras. Continua vendo nela como uma empresa de carbono, e não de energia, o oposto do que se esperaria de um programa de fato comprometido com a transição climática.

Autossuficiência em petróleo e ampliação do refino se sobrepõem a tudo. E "abrasileirar" preços de gasolina e diesel significa reduzi-los, o que incentivará seu consumo, quando o clima do planeta exige que se reduza a queima dos combustíveis fósseis.

Fala-se em diversificar a matriz energética, mas só com energias "renováveis". Não há menção específica a eletricidade de fontes eólica ou fotovoltaica, como seria obrigatório em diretrizes sintonizadas com o que vai pelo mundo.

O conceito de energia renovável, há que lembrar, inclui hidrelétricas, outro fetiche no modelo Rousseff de segurança energética. Isso para não falar das oportunidades para negociatas em obras faraônicas como Belo Monte, monumento à ineficiência geradora que está matando o rio Xingu, símbolo da política indigenista civilizada que o país já teve.

Na versão atual, as diretrizes do PT usam a questão climática para fazer um aceno à Rede Sustentabilidade. Para um programa digno do nome vir à luz, precisaria entabular uma conversa séria sobre o problema mais grave da Terra.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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