Os anéis e dedos da agenda ambiental são os primeiros a ser exigidos, afirma Marina Silva

Ex-ministra defende volta ao Congresso para 'reconstrução pós-guerra' das políticas do Brasil contra desmatamento

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São Paulo

"Esse tema nunca saiu da cabeça dos eleitores." É assim que Marina Silva avalia a importância da agenda ambiental para os brasileiros, destacando os votos que recebeu ao se candidatar à Presidência da República nas últimas três eleições.

Desta vez, no entanto, a ex-ministra do Meio Ambiente (2003-2008) e fundadora da Rede Sustentabilidade deve puxar os votos do seu partido como candidata a deputada federal por São Paulo.

Retrato de Marina Silva gesticulando
Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e candidata a deputada federal por SP, na sede da Rede na capital paulista - Eduardo Knapp/Folhapress

A acriana trabalhou junto ao líder seringueiro Chico Mendes (1944-1988) na resistência ao desmatamento e na fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) no estado. Após ter sido eleita vereadora, deputada estadual e ter passado por dois mandatos como senadora pelo PT do Acre, Marina diz que já havia dado como encerrada sua carreira no Parlamento.

Nesta entrevista, ela explica por que decidiu voltar a se candidatar, avalia divergências com os governos de Lula e de Bolsonaro, e aposta no fortalecimento de uma bancada favorável às políticas de proteção ambiental.

"Nós sabemos que, em qualquer situação de tensionamento político envolvendo o Executivo, são os anéis e os dedos da agenda socioambiental que primeiro são exigidos."

Por que a senhora quer voltar ao Parlamento? Em 2023, nós vamos ter que fazer uma espécie de reconstrução pós-guerra. Esse desmonte se dá uma por uma ação intensiva da base do governo. É muito grave. Porque cria expectativa não só de impunidade, mas de prêmio para os crimes contra o meio ambiente e salvo conduto para seus praticantes.

Quando o PL que acaba com o licenciamento ambiental estabelece que vários empreendimentos poderão ser licenciados só com a autodeclaração, isso é um prêmio para empreendimentos criminosos.

Quando você faz o PL da grilagem, sob o argumento falso de que está fazendo regularização fundiária, isso estimula o roubo de patrimônio público. Ainda temos aí o marco temporal indígena, onde você tem uma assimetria completa: quem ocupou de forma criminosa até 2014 ou até mais recentemente pode regularizar, enquanto para os povos indígenas que estão aqui há milhares de anos, [o reconhecimento] tem que ser de acordo com a Constituição de 88.

Esses projetos de lei que tramitam hoje já estavam em pauta antes do governo Bolsonaro e, nesse período, a senhora saía como candidata à Presidência. Por que agora tenta o Parlamento, quando há um desmonte no Executivo? Muitas pessoas começaram a levantar a hipótese de que, com orçamento secreto, abuso do poder político e do poder econômico, inclusive usando orçamento público, isso pode fazer com que se tenha uma bancada mais reacionária, mais contrária aos interesses da sociedade.

Diante disso, conversei com várias pessoas para que se encorajassem a ser candidatas. E esse apelo também voltou para mim. Se estava incentivando as pessoas —como fez Gandhi, que só mandou o menino parar de comer açúcar quando resolveu ele mesmo parar— me coloquei também o compromisso com a agenda.

E nós sabemos que, em qualquer situação de tensionamento político envolvendo o Executivo, são os anéis e os dedos da agenda socioambiental que primeiro são exigidos.

Sua saída do ministério se deu sob pressão de setores do agronegócio, representados no governo, contrariados pelas políticas ambientais. E esses interesses estão hoje representados no Congresso. Se eleita, como a senhora. pretende lidar com a bancada ruralista na Câmara? Os setores que faziam pressão estão ainda mais turbinados no atraso. O agronegócio não é homogêneo. Há uma minoria que avança, no sentido de fazer o dever de casa, porém, estão subestimando um espaço fundamental que é o espaço da política, deixando que a face do agronegócio brasileiro seja representada no Congresso Nacional da pior forma.

E isso tem prejuízos. Já é difícil entrar na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] e as questões ambientais dificultam mais ainda. Investimentos estão sendo direcionados para outros países, em função de os investidores não sentirem segurança sobre seus investimentos serem usados em ações que destroem a Amazônia.

Agora, como enfrentar? O maior enfrentamento terá que ser feito pela sociedade brasileira, aumentando uma bancada que dê suporte à formulação de políticas que interessam ao Brasil. E buscar uma atuação conjunta. Com exceção dos negacionistas e retrógrados contumazes, você consegue encontrar pessoas com compromisso e sensibilidade ambiental em grande parte dos partidos.

Retrato de Marina Silva apoiando os braços em uma cadeira
Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e candidata a deputada federal pela Rede-SP - Eduardo Knapp/Folhapress

Na sua gestão no MMA (Ministério do Meio Ambiente), houve uma queda significativa do desmatamento, de quase 28 mil km² para 14 mil km², que depois da sua saída ainda chegaria a um mínimo histórico, de 4.600 km², em 2012. E essa taxa foi subindo de volta, hoje está num patamar de 13 mil km², parecido com 2009. Por que não foi possível mantê-la? Porque as políticas foram enfraquecidas, especialmente após 2012. Primeiro teve um efeito sanfona, com o governo Temer elas foram mais enfraquecidas ainda e, no governo Bolsonaro, foram destruídas.

No governo Bolsonaro você tem exatamente o efeito contrário: a gente pegou uma curva ascendente e jogou pra baixo. Eles pegaram embaixo e jogaram pra cima.

O governo atual argumenta que não haveria forma de evitar o desmatamento sem incentivo econômico para a preservação. Faltou essa ótica à agenda ambiental nos governos anteriores? Faltou ao Bolsonaro. Qualquer ótica. Sem recursos, nós reduzimos o desmatamento em 83% por quase uma década. Sem recursos —externos, né?— colocamos 725 pessoas na cadeia, implodimos 86 pistas clandestinas. Hoje são mais de 1.200 pistas clandestinas e o governo perde o controle aéreo, terrestre e por água das fronteiras da Amazônia. Então falta ao Bolsonaro qualquer ótica.

E o trabalho que fizemos ainda conseguiu um fundo, com recursos a fundo perdido, pelos resultados que alcançamos. Não pedimos dinheiro para alcançar resultado. Nós tivemos o Fundo Amazônia, que esse governo interditou.

Diferentemente da sua gestão, a agenda defendida pelo MMA no governo atual não conflita com as propostas de outras pastas. Qual é o papel do MMA em um governo que se proponha a conciliar o desenvolvimento e a proteção ambiental? Aprofundar o que iniciamos em 2003. Uma agenda ambiental transversal, integrada. O MMA não é para ser setorial, correndo atrás do prejuízo do que faz Energia, Transportes ou Agricultura. É para que essas políticas estejam presentes em todos os setores do governo.

Infraestrutura, por exemplo. Não dá para imaginar que se vá repetir empreendimentos como [a usina hidrelétrica de] Belo Monte. Dizem que sábios aprendem com os erros dos outros; agora, estúpidos são os que não aprendem nem com os próprios erros.

Nestas eleições, todos os planos de governo dos principais candidatos à Presidência trazem propostas ambientais. Os anos Bolsonaro contribuíram para gerar compromissos dos presidenciáveis com essa pauta? Não vou dar esse crédito ao Bolsonaro, porque essa é uma agenda do mundo, que vive sob uma emergência climática. Espero que isso seja uma compreensão, porque a sociedade brasileira deu várias sinalizações em relação a isso.

Em 2010, quando eu e Guilherme Leal saímos candidatos [à Presidência] com essa agenda, não vamos nos esquecer que tivemos 19,6 milhões de votos. Em 2014, no que pese tudo que aconteceu, tive 22 milhões de votos. Isso era uma sinalização de que esse tema, que inclusive era utilizado para tentar amedrontar os eleitores, nunca saiu da cabeça dos eleitores.

Estamos vivendo uma reconstrução pós-guerra. No campo democrático popular, quem não colocar [o meio ambiente] como algo estratégico em seu plano de governo vai condenar o Brasil a ficar trancado do lado de fora. O mundo está caminhando em outra direção.

Os prazos estão muito curtos. O painel do clima da ONU aponta que devemos reduzir 55% das emissões de gases de efeito estufa do mundo até o fim da década. Como reverter a crise ambiental? O que deu certo precisa ser resgatado de forma atualizada. Tem que pensar em infraestrutura para o desenvolvimento sustentável. O Plano Safra terá que ser a base de investimento para uma transição à agricultura de baixo carbono.

Não precisamos mais desmatar. A Embrapa é que diz isso. A gente no passado fez a interdição dos municípios que mais desmatavam, vedando o crédito, criminalizando a cadeira produtiva ilegal.

Agora, tem uma agenda fundamental: a destinação dos mais de 70 milhões de hectares de áreas não destinadas na Amazônia, onde incide o maior desmatamento.

O Brasil tem que voltar a assumir o protagonismo internacional da agenda ambiental global pelo dever de casa que irá fazer na transição energética, na proteção da biodiversidade, no desmatamento zero, redução das emissões de CO₂ e assim por diante.

Inclusive, uma das propostas que vou trabalhar é a criação de uma Autoridade Nacional de Segurança Climática, para o acompanhamento da agenda de mudança climática e a articulação com os setores do governo.


RAIO-X

Marina Silva, 64

Nasceu no Seringal Bagaço, em Rio Branco (AC). Formada em História pela Universidade Federal do Acre, foi senadora (1995-2011), ministra do Meio Ambiente do Brasil (2003-2008) e candidata à Presidência nas últimas três eleições. Hoje é candidata a deputada federal pela Rede em São Paulo.


ENTENDA A SÉRIE

Planeta em Transe é uma série de reportagens e entrevistas com novos atores e especialistas sobre mudanças climáticas no Brasil e no mundo. Essa cobertura especial acompanha ainda as respostas à crise do clima nas eleições de 2022 e na COP27 (conferência da ONU em novembro, no Egito). O projeto tem o apoio da Open Society Foundations.

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