Nós estamos em um movimento de ecologia radical, diz autor francês

Para o jornalista Marc Lomazzi, que estuda grupos ativistas, ações que alertam para riscos da crise climática terão apoio da população enquanto forem pacíficas

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Lisboa

Um movimento jovem e urbano, muitas vezes ligado às elites, e profundamente contrário ao modelo capitalista de desenvolvimento econômico, percebido como destruidor dos recursos do planeta. É esse o perfil dos ativistas radicais pelo clima, que recentemente vêm realizando uma série de protestos em grandes museus europeus.

A avaliação é do jornalista francês Marc Lomazzi, especialista no tema e autor do recente livro "Ultra Ecologicus: Les Nouveaux Croisés de l'Écologie" (ultraecológicos: os novos cruzados da ecologia), inteiramente dedicado à análise do ativismo ecológico dos últimos anos.

"Nós estamos em um movimento de ecologia radical", sintetiza.

Retrato de homem
O jornalista francês Marc Lomazzi, autor do livro "Ultra Ecologicus: Les Nouveaux Croisés de l'Écologie" (ultraecológicos: os novos cruzados da ecologia), sobre o ativismo ecológico dos últimos anos - Astrid di Crollalanza/Divulgação

Com passagens pela rádio France Inter, pelo jornal Le Parisien, entre outras publicações de destaque, Lomazzi decidiu mergulhar no universo dos movimentos ecológicos radicais após testemunhar os impactos de uma manifestação do grupo Extinction Rebellion, que bloqueou a praça Châtelet, em pleno centro de Paris, durante cinco dias em outubro de 2019.

"Eram pessoas que quase ninguém conhecia na França, mas que já haviam feito protestos na Inglaterra, como um bloqueio na ponte de Londres. Então eu fiquei muito surpreso, e quis saber quem era esse novo grupo ecologista. E eu me dei conta de que atrás do Extinction Rebellion, que talvez seja o grupo mais conhecido, havia toda uma série de grupos de ecologistas radicais", explica.

Para Lomazzi, o amplo apoio à causa climática na Europa faz com que a grande parte da opinião pública ainda tenha uma visão simpática aos ambientalistas. Um apoio, no entanto, que estaria bastante condicionado à manutenção do caráter pacífico das manifestações.

Ainda assim, demonstrações mais recentes, como as séries de "ataques" com comidas a obras de arte, além de bloqueios em rodovias e infraestruturas, podem causar efeitos negativos para a imagem desses ativistas.

Em entrevista à Folha, Marc Lomazzi explicou as origens do movimento e falou sobre suas principais implicações.

Como nasceu o movimento ecologista radical? Na França e em muitos países, o movimento ecologista existe há bastante tempo, começou com os naturalistas no século 19. Depois vieram os vários grupos locais de defesa da natureza, que lutavam, por exemplo, contra a caça de aves migratórias.

Em um segundo momento, houve a aparição da ecologia política. Na França, com o surgimento dos Verdes [partido político] nos anos 1990. Eles tinham o objetivo de promover uma política que, de alguma forma, defendesse o meio ambiente.

Quando a esquerda estava no poder, havia também ecologistas no governo. Em seguida, mesmo com a direita, eles também estavam lá. Essa era uma ecologia mais pragmática, que defende caminhar gradualmente para um mundo mais verde, que respeite a natureza e o meio ambiente.

Agora nós estamos numa terceira fase, que é a da urgência climática. Os jovens que nascem nos anos 1990 e 2000 já cresceram com essa ideia de que o aquecimento global e a crise climática estão nos levando para uma catástrofe.

Isso é algo novo, porque é só a partir dessa geração conhecemos a real dimensão do problema ambiental. Para eles, os ecologistas no governo e a ideia transição ecológica não são suficientemente rápidos diante do que é a urgência climática. Então esses jovens querem medidas radicais de mudança, sobretudo econômicas, de modo a parar a emissão de gases de efeito estufa.

Qual é o perfil dos ativistas climáticos mais radicais? Na França, como em boa parte da Europa, é um movimento muito ligado aos jovens e aos estudantes que vivem nas grandes cidades, muito mais do que no campo. A maioria tem ensino universitário, muitos tendo passado pelas "grandes escolas" [faculdades de elite francesa].

Essa geração que faz parte das atuais e das futuras elites da nação está muito ligada ao movimento ecologista. A fraqueza desse tipo de movimento ecologista, efetivamente, é o fato de que não há ativismo popular. Ele quase não existe nos bairros populares. É um movimento, como em 1968 na França, que tem jovens e estudantes mais elitizados.

E como esses jovens ativistas passaram a agir? Essa mobilização dos jovens pelo clima encontrou uma nova saída política através de um movimento verdadeiramente internacional, com Greta Thunberg, em 2018. O Fridays for Future, criado por ela, virou um movimento internacional com braços em vários países, incluindo no Brasil.

Então os ecologistas radicais querem ir muito além nas mudanças econômicas. Esses movimentos, como os de Greta Thumberg e o Extinction Rebellion, que são internacionais, e também outros de caráter mais regional, lutam por um modelo alternativo, que pare de emitir gases-estufa.

Agora nós vemos grupos, como esses agora, que são os militantes que colam as mãos em pinturas e outras obras de arte. Essa é uma terceira geração de ativismo ambiental. Nós estamos em um movimento de ecologia radical.

Quais são as principais ações desses ativistas? Até agora, é um movimento que prega a desobediência civil não violenta. Essencialmente são ações como caminhadas e obstruções. A desobediência civil não violenta foi a filosofia política do movimento dos direitos civis de Martin Luther King, nos EUA, e de Gandhi, na Índia.

A ideia é que, graças à desobediência civil não violenta, eles vão ter a simpatia da opinião pública e, graças a isso, os governos também vão ter de se mexer.

Agora, porém, essa ideia da desobediência civil não violenta no centro da ecologia radical já começa a ser contestada. Há quem diga que, mesmo com as várias ações desse tipo realizadas desde 2018, não houve grandes mudanças. Então o movimento ecologista radical agora se interroga se será preciso ir ainda mais longe, com outras formas mais violentas de ação política.

Existe algum risco de escalada para o ecoterrorismo? Ecoterrorismo é diferente de ecossabotagem. Ecoterrorismo tem grupos armados e extremamente violentos, além de ser classificado pelos serviços secretos como uma forma de terrorismo. É a mesma classificação do Estado Islâmico, por exemplo.

São que movimentos ameaçam a segurança dos Estados. Nos EUA, há vários movimentos que foram classificados como ecoterroristas, coma Frente de Liberação da Terra. Houve alguns movimentos radicais de defesa dos animais, como o Animal Liberation Front, que efetivamente praticaram atentados e fizeram ataques.

É um risco principalmente nos EUA, porque lá existe uma liberdade constitucional para exprimir opiniões extremamente radicais, inclusive sobre os governos. Na França, isso não existe. Os ecologistas radicais são sobretudo jovens estudantes, inclusive das elites, e pacifistas. Em todo caso, mesmo se eles quisessem se engajar em movimentos violentos, não teriam os meios. Na França e na Europa, a questão das armas é muito diferente [dos EUA].

O que pode acontecer, por outro lado, são as ações específicas, cada vez mais duras, de sabotagem. Como, por exemplo, sabotagens a canteiros de obras, caminhões, trens, coisas assim. Mas é algo difícil de ser executado, porque os ambientalistas radicais já são amplamente monitorados.

Acho que é possível haver um movimento que se radicalize através de ecossabotagem. Já começamos a ver esses sinais.

Esses ativistas estão insatisfeitos com o modelo econômico atual. Pode-se dizer então que o anticapitalismo está no centro das ações da ecologia radical? Sim, exatamente. A ecologia radical é hoje, por definição, anticapitalista.

Esses jovens querem sair do sistema capitalista, porque consideram que é um sistema produtivista e extrativista, que consome os recursos naturais e contribui para o aquecimento do planeta. Então, para eles, é preciso sair desse sistema.

Há uma via majoritária na Europa, que é um capitalismo revisto, mais social e que respeita o ambiente. Essa via, que fala de caminhar gradualmente para um mundo mais verde, é extremamente contestada pelos ecologistas radicais. Para eles, nós vamos em direção a uma catástrofe, mesmo com esse sistema capitalismo revisto.

O objetivo das recentes ações nos museus é despertar a atenção do público para a causa climática, mas não pode acabar por ter o resultado oposto, criando uma visão negativa do ambientalismo? Sim, há esse risco. Essas ações já criaram visões negativas, mas, principalmente, causam incompreensão. As pessoas veem os ativistas perturbando o torneio de Roland Garros ou jogando tinta e comida tinta nas obras de arte, o que gera incompreensão e também muita irritação.

Globalmente, enquanto as coisas se mantiverem pacíficas, a tendência é de que a opinião pública seja favorável. A opinião pública na França, assim como em vários países na Europa, é muito sensibilizada para a causa ambiental e tem um olhar majoritariamente simpático para os militantes e ativistas do clima.

Evidentemente, se eles passarem para ações violentas, haverá um divórcio da opinião pública.


Raio-X

Marc Lomazzi, 60

Nascido em Estrasburgo, na França, é jornalista e estudioso do fenômeno do ativismo ambiental radicalizado. Sobre o tema, escreveu o livro "Ultra Ecologicus: Les Nouveaux Croisés de l'Écologie" (ultraecológicos: os novos cruzados da ecologia), ainda não publicado no Brasil. Trabalhou em veículos como a rádio France Inter e o jornal Le Parisien.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela O pen Society Foundations.

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