Descrição de chapéu Financial Times sustentabilidade

EUA enfrentam falta de macacos de laboratório em meio a escândalo de contrabando no Camboja

Cientistas pedem mais programas de reprodução doméstica para atender à demanda por animais de teste para o setor de ciências da vida

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jamie Smyth Mercedes Ruehl
Nova York e Cingapura | Financial Times

Cientistas pediram que o governo dos Estados Unidos aumente o investimento em programas de criação de macacos de laboratório, enquanto um escândalo de contrabando no Camboja pode piorar a escassez de animais para testes que prejudica o setor de ciências biológicas.

Acadêmicos que realizam alguns estudos já enfrentam atrasos de até um ano devido à dificuldade para obter os chamados primatas não humanos (PNHs), que os reguladores insistem ser importantes para provar a segurança dos medicamentos nas pesquisas iniciais.

A crescente demanda por macacos de laboratório durante a Covid-19, a proibição de exportações da China e o subfinanciamento de programas domésticos de reprodução nos EUA interromperam a cadeia de suprimentos de PNHs e fizeram os preços triplicarem, de acordo com especialistas do setor.

Foto mostra cientista fazendo testes da vacina de Covid-19 em filhote de macaco na Tailândia
Cientista durante fase de testes da vacina contra a Covid-19 em macacos no Centro Nacional de Pesquisas em Primatas da Tailândia, na Universidade Chulalongkorn, antes dos testes em humanos - Mladen Antonov - 23.mai.2020/AFP

Dois dos maiores fornecedores de macacos de laboratório para a indústria farmacêutica, a Charles River e a Inotiv, listadas nos EUA, alertaram recentemente os investidores de que esperam uma interrupção nas importações americanas do Camboja, o maior fornecedor nacional de PNHs.

Isso ocorre após a acusação pela Justiça federal no mês passado de oito pessoas —incluindo dois altos funcionários do governo do Camboja— que supostamente participavam de uma quadrilha que contrabandeava macacos selvagens para os EUA para fins de pesquisa.

Uma autoridade do Camboja foi presa no Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York, levando Phnom Penh, capital do Camboja, a declarar a prisão "injustificada".

Uma autoridade cambojana disse ao Financial Times que o país não proibiu as exportações para os EUA. Mas o caso aumentou as preocupações da indústria sobre a dependência de importações num momento em que alguns programas de pesquisa enfrentam atrasos de um ano devido à escassez de macacos.

"Se empresas e pesquisadores acadêmicos não conseguem obter os modelos de pesquisa de primatas não humanos [macacos] de que precisam, o trabalho para. Você pode dizer adeus a novas vacinas e medicamentos", disse Matthew Bailey, presidente da Associação Nacional de Pesquisa Biomédica, um grupo da indústria. "É de importância crucial para a saúde pública e a segurança nacional."

Macacos-de-cauda-longa no centro de criação de macacos do Centro Nacional de Pesquisas em Primatas da Tailândia, na Universidade Chulalongkorn
Macacos-de-cauda-longa no centro de criação de macacos do Centro Nacional de Pesquisas em Primatas da Tailândia, na Universidade Chulalongkorn - Mladen Antonov - 23.mai.2020/AFP

Bailey disse que Washington deveria explorar parcerias público-privadas e outras opções de investimento para impulsionar a criação doméstica.

Os suprimentos das espécies de macacos mais populares usadas pelas empresas farmacêuticas para pesquisa, os macacos-de-cauda-longa, têm sido limitados há vários anos devido à forte demanda pelos pesquisadores e aos programas limitados de reprodução baseados nos EUA.

Uma proibição de exportação em 2020 imposta pela China —que na época era o maior fornecedor para os EUA— durante a Covid-19 fez com que o preço dos macacos de laboratório triplicasse entre 2019-22, conforme pesquisa da Evercore IS I.

A Evercore estima que os preços médios dos macacos de laboratório em 2019-20 foram entre US$ 4.000 e US$ 7.000. Em 2020-21, aumentaram para US$ 10.000 e em 2021-22 novamente para entre US$ 20 mil e US$ 24 mil. A Evercore prevê que os preços subirão novamente para US$ 30 mil a US$ 35 mil em 2023.

Elizabeth Anderson, analista da Evercore, disse que as grandes empresas farmacêuticas geralmente não são sensíveis aos preços dos PNHs, mas, em longo prazo, os altos preços e a interrupção do fornecimento podem levá-las a investir em criação própria, em vez de depender de importações.

Especialistas dizem que pesquisadores acadêmicos e empresas de biotecnologia menores são mais vulneráveis à escassez e ao aumento de preços de macacos de laboratório, que segundo os reguladores são importantes para provar a segurança dos medicamentos em estudos iniciais.

Os acadêmicos podem obter animais de sete centros nacionais de pesquisa de primatas, que são instalações de criação nos Estados Unidos financiadas pelos Institutos Nacionais de Saúde. Mas os centros, que juntos têm cerca de 20 mil a 25 mil animais, dizem que não têm animais suficientes para atender à demanda e precisam de mais financiamento, disseram os diretores de duas instalações ao FT.

"Estamos mais de um ano atrasados em muitos de nossos estudos. Pessoalmente, tenho uma bolsa que não conseguiu obter animais durante mais de um ano", disse a professora Nancy Haigwood, diretora do Centro Nacional de Pesquisa de Primatas do Oregon.

Skip Bohm, diretor associado do Centro Nacional de Pesquisa de Primatas Tulane, disse que uma auditoria das solicitações de pesquisa nos sete centros dos EUA mostrou que faltavam 3.000 animais em 2021.

"Na última década, nós praticamente preenchemos a lacuna e colocamos curativos na situação, mas se continuar assim realmente tememos que seja preciso interromper alguns estudos", disse ele.

Os Institutos Nacionais de Saúde disseram que há um desafio contínuo para fornecer um suprimento adequado de PNHs para pesquisa biomédica devido à escassez, mas condenaram todo o comércio ilegal de animais.

"Qualquer solução deve ser feita de acordo com as políticas relacionadas ao bem-estar animal e os procedimentos de conformidade com as leis, regulamentos e políticas federais."

Em julho, a União Internacional para Conservação da Natureza listou os macacos-de-cauda-comprida pela primeira vez como "ameaçados", em parte devido à demanda crescente pela espécie para pesquisas médicas.

A Peta, um grupo de direitos dos animais, disse que a dependência dos pesquisadores de macacos de laboratório está desatualizada, pois hoje existem métodos de pesquisa relevantes para humanos muito melhores.

Lisa Jones-Engel, consultora científica sênior da Peta, disse que os cientistas americanos nunca tiveram sucesso na criação de macacos complexos e sensíveis sem taxas de mortalidade assustadoramente altas.

"É por isso que eles estão dispostos a comprar animais sequestrados de seus habitats na Ásia, África e América do Sul. Temos que impedir que os experimentadores de macacos consigam os fundos necessários para tanto."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.