Governo do AM autoriza exploração de ouro por draga em área com impacto em terra indígena

OUTRO LADO: empresário que recebeu licenças de operação já havia obtido aval de general Heleno para outro polígono; Ipaam e ANM não se manifestam

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Manaus

O Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), órgão do Governo do Amazonas responsável por licenças e fiscalização ambientais, concedeu duas autorizações para exploração de ouro –inclusive com uso de draga– em áreas com impactos em terras indígenas, numa das regiões mais preservadas da Amazônia.

As licenças de operação foram expedidas para prospecção de ouro em polígonos próximos a territórios tradicionais na região conhecida como Cabeça do Cachorro, que fica no extremo noroeste do Amazonas, na região de fronteira do Brasil com Colômbia e Venezuela.

Na região estão 23 etnias indígenas. São Gabriel da Cachoeira, a cidade mais indígena do Brasil, fica na Cabeça do Cachorro.

As licenças permitem a pesquisa de ouro em áreas de 2.900 hectares, o equivalente a 18 áreas do tamanho do parque Ibirapuera, em São Paulo.

Reserva biológica em São Gabriel da Cachoeira, a cidade mais indígena do Brasil, fica na Cabeça do Cachorro
Reserva biológica em São Gabriel da Cachoeira, a cidade mais indígena do Brasil, fica na Cabeça do Cachorro - Lalo de Almeida - 5.out.19/Folhapress

O aval à exploração de ouro dado pela ANM (Agência Nacional de Mineração), que antecede as licenças de operação emitidas pelo órgão ambiental local, indica uma possibilidade de pesquisa ainda maior. Os dois alvarás de pesquisa permitem atuação em 14,8 mil hectares, ou 92 Ibirapueras.

O beneficiário dos atos é o empresário de Porto Velho (Rondônia) Avemar Roberto Rocha, que já havia obtido autorização do general Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência, para prospecção de ouro na região da Cabeça do Cachorro.

Heleno é secretário-executivo do Conselho de Defesa Nacional e, em razão dessa função, cabe a ele dar aval ou não a projetos de mineração na faixa de fronteira, numa largura de 150 km.

Em dezembro de 2021, a Folha revelou que Heleno autorizou o avanço de sete projetos de exploração de ouro em terras indígenas na região, o que é ilegal e inconstitucional.

Diante da revelação, o ministro do GSI –que está em seus últimos dias no cargo, com a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas urnas– recuou e anulou os próprios atos.

Entre os atos anulados está o que beneficiava Rocha. Isto não impediu que ele prosseguisse com projetos de exploração de ouro na Cabeça do Cachorro.

No caso dos processos que avançaram e resultaram nas licenças de operação pelo órgão ambiental do Amazonas, não há informação se eles estão na faixa de 150 km da fronteira, o que demandaria uma atuação do Conselho de Defesa Nacional.

A Folha não localizou o empresário.

O Ipaam e a ANM não responderam aos questionamentos da reportagem.

Uma das licenças se refere à pesquisa de ouro no "leito do rio Negro, zona rural do município de Barcelos", conforme informações públicas do sistema do Ipaam.

A outra licença de operação é para a mesma atividade, no "leito do igarapé Unei, zona rural do município de São Gabriel da Cachoeira". No caso desta autorização, foi permitido "aplicar processo de prospecção por dragagem".

Com base nas coordenadas geográficas informadas pelo empresário à ANM, a Folha pediu ao Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) a produção de mapas com a localização exata dos polígonos referentes às licenças de operação. Esses mapas mostram grande proximidade dos polígonos a terras indígenas.

Organizações de indígenas e de defesa de pautas ambientais que atuam na região do alto e médio rio Negro afirmam que uma exploração de ouro nas áreas autorizadas tem impacto inevitável nos territórios tradicionais.

Isto se deve à conexão dos cursos d’água onde estão os polígonos autorizados a rios que cortam as terras indígenas. Além disso, segundo as organizações, o acesso de uma draga às áreas só seria possível se ela transitar por essas terras.

Em setembro deste ano, a FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) denunciou a existência de uma draga de garimpo operando às margens do rio Marié, dentro de terra indígena.

A denúncia foi encaminhada a Funai (Fundação Nacional do Índio), Exército, PF (Polícia Federal), Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e MPF (Ministério Público Federal).

"O garimpo de ouro dentro de terra indígena é crime ambiental e viola os direitos territoriais dos povos indígenas, que possuem o usufruto exclusivo da posse dos recursos naturais que existem no interior de seus territórios", afirmou a FOIRN no ofício.

No mês seguinte, a federação denunciou "invasão de traficantes armados" em terras indígenas no rio Marié.

A draga fotografada e denunciada pode pertencer ao empresário que recebeu as licenças de operação do Ipaam, segundo integrantes das organizações que atuaram na denúncia.

Em julho, a FOIRN ingressou com uma ação na Justiça Federal no Amazonas contra 60 processos ativos na ANM com intenção de exploração de ouro em terras do alto e médio rio Negro.

A ação levou em conta um levantamento de processos feito pelo ISA (Instituto Socioambiental). Na lista, estão quatro requerimentos do empresário que obteve licenças de operação do órgão do governo do Amazonas. Um desses requerimentos é referente a uma das licenças emitidas.

Os 60 empreendimentos, se levados adiante, têm potencial para impactar a vida de 45 mil indígenas, segundo a ação. As áreas requeridas para pesquisa e exploração de ouro somam 149 mil hectares, quase o tamanho da cidade de São Paulo.

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