Consumo de alimentos pode levar planeta a aquecer 1°C até o fim do século

Melhores práticas agrícolas, menos desperdício e redução de carne vermelha têm potencial, porém, de frear problema

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São Carlos (SP)

Se as tendências atuais forem mantidas, o consumo global de alimentos pode acabar levando a um aumento de cerca de 1°C na temperatura média da Terra até o fim do século. É o que indica uma análise de cientistas dos EUA, que buscou fazer um inventário detalhado das emissões de gases causadores da crise climática vindos da agricultura e da criação de animais no mundo todo.

A relativa boa notícia do trabalho, que acaba de sair na revista científica Nature Climate Change, é que esse efeito sobre o clima não é algo inevitável. Segundo os cálculos dos pesquisadores, mais da metade desse aquecimento pode não acontecer —desde que se adotem medidas como melhores práticas agrícolas, menos desperdício e redução no consumo de carne vermelha.

Bois em uma pastagem com fumaça ao fundo
Gado pasta perto de área com queimada na floresta amazônica em Novo Progresso (PA) - João Laet - 25.ago.2019/AFP

O trabalho, coordenado por Catherine Ivanovich, do Departamento de Ciências da Terra e Ambientais da Universidade Columbia, adotou uma série de cuidados metodológicos para medir de forma mais precisa o efeito dos gases-estufa (basicamente, os que retêm o calor perto da superfície da Terra) derivados do consumo de alimentos.

É comum que as pessoas falem apenas do dióxido de carbono ou gás carbônico (CO2) como o principal gás-estufa, levando em conta sua produção durante a queima de combustíveis fósseis (gasolina ou diesel, por exemplo). No entanto, no caso das emissões de gases da agropecuária, igualmente relevante é o metano (CH4).

Grandes quantidades de metano são produzidas, por exemplo, durante a fermentação da matéria vegetal no sistema digestivo de animais como os bovinos, e também nas áreas alagadas em que há plantio de arroz. O metano é capaz de reter cerca de cem vezes mais calor do que o gás carbônico. Em contrapartida, dura bem menos na atmosfera (cerca de uma década, contra centenas de anos do dióxido de carbono).

De um lado, Ivanovich e seus colegas colocaram na balança as contribuições dos diferentes gases e seu efeito temporal na atmosfera. De outro, levaram em conta estudos sobre as emissões ligadas a quase uma centena de produtos alimentícios e o consumo deles em 171 países, com base em dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura).

O próximo passo foi usar essa fotografia das emissões atuais do setor para estimar como elas podem evoluir no futuro e como afetariam o clima global, usando modelos de computador já estabelecidos para esse fim.

Dependendo do crescimento populacional humano até 2100, a equipe estimou que o aumento da temperatura derivado do consumo de alimentos poderia ficar entre 0,7°C e 0,9°C (com margem de erro de 0,2°C para mais ou para menos).

Desse total, quase 60% estão associados ao consumo de carne, leite e derivados, enquanto 19% estão ligados ao consumo de arroz. Portanto, são essas as áreas prioritárias para intervenções, segundo a equipe de pesquisa.

No caso do cultivo do arroz, a equipe calcula que seria possível cortar as emissões de gases-estufa pela metade usando métodos de plantio que minimizam o uso de água (contexto no qual ocorrem as emissões de metano) sem efeitos negativos sobre a produtividade.

Em terreno alagado, homens em cima de uma máquina mexem com mudas de arroz
Agricultores transplantam mudas de arroz na província de Liaoning, na China - Yang Qing - 19.mai.2022/Xinhua

A situação é mais complexa no caso da carne vermelha, já que exige mudança de hábitos alimentares, que possuem um componente cultural forte.

Os pesquisadores usaram uma recomendação feita pela Escola Médica da Universidade Harvard, que sugere o consumo de carne vermelha apenas uma vez por semana, permitindo o consumo diário de aves, ovos ou peixes. Seguindo essa abordagem, seria possível reduzir em 0,2°C o aquecimento previsto até o fim do século.

Outras medidas relevantes seriam abordagens para descarbonizar a produção e o transporte de alimentos (por meio de energias renováveis na irrigação, colheita, transporte etc.) e a redução do desperdício, apontam os pesquisadores.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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