Descrição de chapéu Planeta em Transe

Governo encaminhará acordo de democracia ambiental ao Congresso

Acordo de Escazú foi assinado pelo Brasil em 2018, mas ainda deve ser ratificado para virar lei nacional

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São Paulo

Após quatro anos paralisado em Brasília, o Acordo de Escazú voltou a tramitar. Assinado pelo Brasil e outros 23 países, o primeiro tratado ambiental da América Latina foi encaminhado do Itamaraty para a Casa Civil na última semana e aguarda a assinatura do presidente da República para ser enviado ao Congresso. Caso seja aprovado pelos congressistas, o acordo se torna lei nacional.

Segundo a previsão do Ministério do Meio Ambiente, o envio do texto ao Congresso deve ser feito na próxima semana, quando os países da América Latina e Caribe se reúnem na Argentina para a COP-2 do Acordo de Escazú, que negociará a governança do novo tratado.

A ministra Marina Silva deve participar da conferência, embora o Brasil ainda esteja na condição de observador das negociações, justamente por ainda não ter ratificado o acordo. Aberto a 33 países da região, o acordo foi assinado por 24 e ratificado por 15 deles.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, deve participar da COP-2 do Acordo de Escazú, na Argentina - Gabriela Biló-12.jan.2023/Folhapress

Após receber a anuência de oito ministérios ligados ao tema, o Itamaraty encaminhou à Casa Civil uma exposição de motivos —assinada também pelos ministérios do Meio Ambiente, Povos Indígenas e Direitos Humanos— para a ratificação do acordo.

Último a enviar sua anuência, o Ministério da Agricultura estaria sob pressão de entidades do agronegócio contrárias aos compromissos do tratado, segundo pessoas que acompanham a tramitação do Acordo de Escazú.

Ainda durante a negociação do Acordo, representantes da pasta chegaram a se opor à menção ao princípio da precaução, mas a posição foi vencida, de acordo com observadores.

Entre os receios do setor, estaria a adaptação à obrigação de se informar sobre os riscos ambientais, o que implicaria a revisão da comunicação sobre riscos do uso de agrotóxicos. Em 2019, a Anvisa alterou o marco regulatório para agrotóxicos, afrouxando a classificação sobre riscos ligados aos produtos.

Candidato a sediar a COP-30 do Clima em 2025, o Brasil terá sua candidatura avaliada pelos países latino-americanos, já que a edição da conferência climática deve acontecer em um país da região naquele ano.

"A ratificação envia uma mensagem de que a ação ambiental é prioritária para o Brasil, que se coloca como liderança do tema na região", avalia Renato Morgado, gerente de programas da Transparência Internacional Brasil.

"É coerente e esperado que o acordo seja priorizado pela base do governo no Congresso para que seja aprovado, como parte da reinserção do país no mundo pela via ambiental e também da reconstrução da governança ambiental", aponta Morgado, citando que a gestão Bolsonaro agiu na direção contrário da prevista pelo Acordo de Escazú.

"Bolsonaro reduziu espaços de participação, atacou o Inpe, que produz informação ambiental, espalhou desinformação ambiental, tentou influenciar indevidamente órgãos de Justiça e criminalizar defensores ambientais e seus territórios", exemplifica.

"Até semana que vem o acordo deve ser enviado ao Congresso. Queremos que a ida da ministra Marina à COP simbolize o nosso apoio para que o acordo seja ratificado", afirmou o secretário-executivo adjunto do MMA, Mauro Pires, nesta quinta-feira (13), no evento O Brasil no Acordo de Escazú, organizado por ONGs socioambientais em Brasília.

O evento lançou o Movimento Escazú Brasil, que busca mobilizar a atenção dos brasileiros para o tratado, pioneiro em prever mecanismos específicos de proteção a defensores ambientais, justamente em uma região que lidera o ranking de assassinatos de ativistas e defensores.

No último ano, o Brasil ficou no topo do ranking dos países que mais matam defensores ambientais, de acordo com a Global Witness, seguido pela Colômbia. Entre os 10 países do topo do ranking, 7 são da América Latina.

Além de prever mecanismos para prevenir, investigar e punir ataques, ameaças ou intimidações contra defensores ambientais, o acordo busca garantir direitos de acesso em três esferas: informação, participação e justiça em questões ambientais.

Entre as inovações que o acordo prevê para a participação pública, está a obrigação de órgãos públicos darem devolutivas sobre propostas colhidas em uma audiência pública, de modo que o público passe a contar com uma justificativa sobre as escolhas feitas em projetos públicos. Outra medida prevê a antecipação das consultas públicas para o início da elaboração dos projetos, e não apenas no momento do licenciamento ambiental.

"O Acordo de Escazú foi construído com a participação do Brasil e usando leis brasileiras como referências, o que deve facilitar nossa adaptação jurídica", afirma Joara Marchezini, coordenadora de projetos do Nupef e eleita entre as representantes do público no Acordo de Escazú.

Além de contar com a participação de representantes da sociedade civil, o acordo prevê um comitê de monitoramento do cumprimento do acordo, com sete membros. Um dos candidatos é o brasileiro Rubens Born.

Advogado e doutor em saúde pública e ambiental, ele contribuiu para a construção do texto do acordo durante as negociações, que permitiram a inserção de propostas da sociedade civil na plenária, caso tivessem o apoio de pelo menos um país negociador.

Segundo Born, o acordo garante medidas práticas para evitar a repetição de tragédias ambientais conhecidas pelos brasileiros.

Ele cita o caso do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips na fronteira do Amazonas com a Colômbia e o Peru, no último ano. "O artigo 11 do acordo prevê a cooperação entre órgãos que atuam na prevenção de ilícitos ambientais, o que é muito importante nas zonas fronteiriças".

Ainda segundo Born, os casos dos rompimentos de barragens de mineração da Vale, que levaram à destruição de Mariana (MG) em 2015 e de Brumadinho (MG) em 2019, também podem deixar de se repetir por meio do acesso à informação ampla sobre os riscos ambientais, e não só sobre os impactos.

"Os artigos sobre acesso à informação preveem que ela deve ser imediatamente liberada em caso de ameaça iminente, que é o oposto do que acontece", afirma Born. "A primeira reação das autoridades geralmente é sonegar a informação para não gerar pânico. A informação tem que ser liberada."

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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