Banco Mundial suspenderá dívida de países que se recuperam de catástrofes

Em cúpula na França, líderes mostram consenso sobre necessidade de reforma do financiamento global para responder às mudanças climáticas

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Paris

Reunidos em Paris para a Cúpula do Novo Pacto Financeiro, que recebeu mais de cem chefes de Estado e de governo desde a quinta-feira (22) e se encerrou na manhã nesta sexta (23), líderes globais de países em desenvolvimento e também do mundo desenvolvido mostraram em seus discursos concordar sobre a necessidade de reforma dos sistemas de financiamento multilateral e de bancos de desenvolvimentos.

O encerramento da cúpula contou com discursos de lideranças do bloco desenvolvido, como Alemanha e França, e de países em desenvolvimento, como Brasil, África do Sul, China, Quênia, Barbados, entre outros.

Pessoas sentadas em cadeiras, formando um círculo, em uma arena, com painel com o logotipo do evento ao fundo
Líderes na sessão de encerramento da Cúpula do Novo Pacto Financeiro, em Paris, nesta sexta (23) - Lewis Joly/Pool/AFP

O encontro de dois dias promoveu seis mesas redondas para discutir a reforma de instituições financeiras, com o objetivo de alavancar o investimento em infraestrutura básica e ações climáticas nos países em desenvolvimento.

Na cúpula, o Banco Mundial anunciou que incluirá uma nova cláusula em seus acordos com os países mais vulneráveis à crise climática, prevendo a suspensão temporária de suas dívidas durante o período em que se recuperam de catástrofes climáticas.

A medida evita que países percam credibilidade junto às agências de classificação de risco, facilitando a busca de investimentos e crédito.

O anúncio já era esperado pelos franceses e estava entre as discussões que alcançaram consenso nos grupos de trabalho que antecederam o encontro em Paris. A inspiração veio da primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley.

Ela havia sugerido a medida como parte da Bridgetown Initiative, movimento que criou justamente para repensar o financiamento aos países mais vulneráveis ao clima, como é o caso da ilha caribenha de Barbados, que enfrenta atualmente uma temporada de furacões com fortes tempestades.

Outra iniciativa anunciada pelo Banco Mundial busca incentivar o investimento privado nos países em desenvolvimento. O órgão deve oferecer uma garantia —na proporção de um para um— aos investimentos privados feitos em países classificados como mais arriscados.

No encerramento da cúpula, o presidente francês, Emmanuel Macron, destacou a decisão do Banco Mundial entre os principais resultados das discussões —que ele espera que avancem nos próximos encontros de líderes globais, como o G20, em setembro; a reunião do FMI, em outubro; e a COP28 do Clima, em novembro.

O presidente francês Emmanuel Macron (à direta) fala ao lado do presidente Lula e do primeiro-ministro da China, Li Qiang, na cerimônia de encerramento da Cúpula do Novo Pacto Financeiro, em Paris - Lewis Joly/Pool via AFP

Macron reforçou a necessidade de articulação entre os bancos de desenvolvimento, que deveria ocorrer em uma estrutura multilateral que coordene esforços, evitando a competição entre os atores.

O presidente francês voltou a defender a taxação do transporte marítimo e de outros modais. "Isso só vai funcionar se for verdadeiramente internacional", disse.

O primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, defendeu, para além das reformas financeiras, uma reforma no comércio. Como exemplo, citou a concentração do comércio de fertilizantes, que gerou impactos sobre o preço dos alimentos no mundo devido à Guerra da Ucrânia.

"Muitos países africanos e do mundo todo produzem fertilizantes, mas eles são monopolizados pelos mesmos poucos [países]", exemplificou. A diversificação dos mercados é uma estratégia de segurança buscada pela União Europeia também na área energética, após o corte do gás russo.

"O desenvolvimento da China não é uma ameaça, mas uma oportunidade aos outros países", afirmou o premiê chinês, Li Qiang, também no encerramento da cúpula.

O líder reforçou números do crescimento econômico da China —cujo PIB cresceu 4,5% no primeiro trimestre— e também do investimento em clima. O país asiático tem a maior capacidade instalada para energia renovável, de acordo com o primeiro-ministro.

O líder chinês mostrou apoio à proposta de reforma do FMI e do Banco Mundial e disse que a China já ofereceu mais alívio da dívida a países em desenvolvimento do que qualquer banco.

Qiang definiu o país como uma grande economia e, ainda assim, como um país em desenvolvimento —algo que o bloco desenvolvido tem questionado nos últimos anos. O líder chinês ainda lembrou aos países ricos que, ao tratar da pauta climática, precisam encarar o fato de que eles têm responsabilidades históricas, em referência às emissões de carbono acumuladas e ao financiamento climático acordado.

"A China se unirá aos esforços internacionais para evitar o protecionismo comercial e manter as cadeias industriais e de suprimentos globais seguras e estáveis, incentivando também as empresas multinacionais a fazerem mais investimentos nos países em desenvolvimento", disse Qiang.

Já Lula, que também endossou a defesa da reforma do FMI e do Banco Mundial, criticou a ausência de menção à palavra "desigualdade" pelos outros líderes.

"Junto da questão climática, temos que colocar a desigualdade. Salarial, de raça, de gênero, de saúde", propôs Lula, acrescentando que o mundo aumentou a concentração de riqueza. "Se não discutir a desigualdade com igual prioridade à questão climática, podemos ter um clima muito bom e o povo morrendo de fome em vários países", afirmou.

Além da suspensão temporária da dívida de países durante catástrofes, outra medida alcançada na cúpula foi o anúncio do cumprimento de meta estabelecida em 2021 pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) para distribuir o equivalente a US$ 100 bilhões em Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês) aos países em desenvolvimento. O mecanismo funciona como uma moeda que complementa a reserva dos países.

Também no evento em Paris, líderes franceses e do FMI anunciaram um acordo de países credores para a reestruturação da dívida pública da Zâmbia, no valor US$ 6,3 bilhões, boa parte emprestada pela China.

A necessidade de renegociar as dívidas dos países em desenvolvimento, com perdão, suspensão ou troca por investimentos em clima e biodiversidade, apareceu nos discursos de credores e devedores, como parte do tom imperativo adotado pela maioria dos líderes na cúpula.

Já o anúncio de cumprimento dos US$ 100 bilhões para o clima foi feito de forma discreta na abertura do encontro, durante o discurso do economista Amar Bhattacharya, conforme a Folha adiantou. No entanto, no encerramento do evento, o presidente francês se limitou a dizer que o anúncio requer mais análise.

Macron gostaria de ter iniciado a cúpula com o anúncio do cumprimento da antiga promessa, feita em 2009, como forma de retomar a confiança entre o bloco rico e o mundo em desenvolvimento.

De acordo com pessoas ligadas ao alto escalão do governo francês, o recuo se deve à falta de alinhamento com os Estados Unidos. Os países devem anunciar conjuntamente o alcance da meta na COP28 do Clima, em novembro, em Dubai.

Ainda que os anúncios já fossem esperados pela França, até o final do dia a organização da
cúpula não havia divulgado um balanço oficial dos resultados do evento.

Em seu discurso de encerramento, Macron destacou alguns avanços, mas não comentou a proposta defendida pela França de taxar transações financeiras.

Outra taxa, no entanto, ganhou apoio político ao longo da cúpula: a aplicação de uma taxa global de transporte marítimo, endossada por líderes de Grécia, Japão, Coreia do Sul, Japão, Libéria e Ilhas Marshall —países com atuação relevante no transporte marítimo.

O Brasil, tradicionalmente, tem se posicionado de forma con trária à oneração do setor, cujas emissões de carbono não são negociadas dentro do Acordo de Paris de mudanças climáticas.

No início de julho, as implicações ambientais do setor serão negociadas por representantes dos países reunidos na conferência da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), em Londres.

A repórter viajou a convite da Embaixada da França no Brasil.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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