Descrição de chapéu Planeta em Transe desmatamento

Brasil precisa lidar com desmatamento legal no cerrado, dizem especialistas

Metade do desmate no bioma é autorizado por estados; 24 cidades concentram problema

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São Paulo

Dados do Deter, sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), divulgados nesta quarta-feira (7) mostraram que o desmatamento no cerrado em maio cresceu 83% em relação ao mesmo mês do ano passado, com 1.326 km² derrubados.

No acumulado dos cinco primeiros meses do ano, o número está 35% maior do que o período anterior, batendo recorde na série histórica para o bioma, iniciada em 2019.

O Ministério do Meio Ambiente estima que metade da área desmatada no período no cerrado tenha autorização legal dada pelos estados.

Assim, dizem especialistas ouvidos pela Folha, há indicativo de que o país precisa lidar, além do desmatamento ilegal, com a derrubada legal na savana mais diversa do mundo.

foto aérea mostra árvore perto de linha entre floresta tropical e savana
Área desmatada na fronteira entre Amazônia e cerrado, em Nova Xavantina (MT) - Amanda Perobelli - 28.jul.21/Reuters

Via de regra, é mais fácil desmatar o cerrado. Isso porque as reservas legais no bioma variam de 20% a 35%, quase inversas às da Amazônia, com 80% protegidos por lei nas propriedades rurais.

Na Amazônia Legal, o desmatamento acumulado nos cinco primeiros meses do ano apresentou queda de 31% com relação ao mesmo período do ano anterior, retornando ao patamar registrado em 2020. Foram 1.986 km² de floresta derrubada em 2023, contra 2.867 km² em 2022.

No combate à derrubada ilegal, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima registrou alta em emissão de autos de infração (16%), embargos de propriedades (37%) e destruição de equipamentos (38%) de janeiro a maio deste ano, em comparação com a média dos quatro anos anteriores.

O governo diz ainda que tem tentado agilizar a revisão do PPCerrado, plano de prevenção e controle de desmatamento, cuja primeira reunião ocorrerá na próxima semana. O documento equivalente para a Amazônia foi publicado na segunda (5).

Para enfrentar a alta na derrubada, a pasta quer discutir com os estados as autorizações de desmatamento, já que 24 cidades, distribuídas em seis estados —Bahia (10), Maranhão (5), Piauí (4), Tocantins (3), Mato Grosso (1) e Pará (1), concentram metade da área desmatada.

"A primeira ação é verificar se esse desmatamento está sendo autorizado, e se a base legal da autorização está sendo respeitada. Esse é o primeiro passo: separar o legal da ilegalidade", afirmou o secretário-executivo da pasta, João Paulo Capobianco.

Ele disse que todos os estados do cerrado foram oficiados formalmente pelo ministério em 5 de maio, para que encaminhassem dados de autorização de supressão de vegetação. Os requerimentos foram repetidos no dia 22. Nenhum estado respondeu até o momento, segundo o governo federal.

Capobianco afirma que nova notificação foi feita nesta quarta.

Para Yuri Salmona, diretor-executivo do Instituto Cerrados, o país tem um problema crônico com o desmatamento legal: as chamadas autorizações para supressão de vegetação nativa, concedidas pelos órgãos ambientais de cada estado.

"No cerrado, a gente tem 20% de reserva legal, 35% na área de transição [com a Amazônia]. O que pode ser autorizado é imensamente maior", disse Salmona, comparando o cenário com o da Amazônia. Para ele, as ações governamentais deveriam focar na melhoria do uso de áreas já desmatadas.

"O caminho é olhar para o fato de que estamos com mais de 30 milhões de hectares de pastagens subutilizadas, que fazem com que a gente não precise mais desmatar. Há uma série de políticas públicas que os estados podem fazer para corrigir essa trajetória."

A falta de consolidação dos dados das autorizações também é problemática, explica.

"Temos o Sinaflor [Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais], que deveria reunir essas informações, mas os estados não usam e dão a autorização [para desmatamento]. Falta uma checagem para saber o que é ou não legal. O próprio ministério tem essa dificuldade", destaca.

Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede que reúne mais de 90 organizações socioambientais, afirma que o governo precisa dos estados para lidar com o problema.

"Não dá para o governo lançar um PPCerrado sem que os estados estejam embasados no plano. Tem que investigar e sentar junto com o estado, ou fica uma mensagem dupla: o governo federal coloca dificuldades e o governo estadual afrouxa", avalia.

Segundo o WWF-Brasil, ações adotadas pelo ministério, como a limitação a crédito em propriedades rurais com desmatamento ilegal, são bem-vindas, mas o governo precisa criar um combate estruturado rápido.

"Esperamos que assim como a Amazônia, essa região receba mais proteção e iniciativas como o PPCerrado", disse a organização, em nota.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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