Descrição de chapéu Planeta em Transe indígenas

Em protesto contra Ferrogrão, indígena esfrega urucum em participantes de evento do governo; veja vídeo

Ministério dos Transportes diz que diferentes povos indígenas serão ouvidos e que ferrovia ainda depende de análise de impactos e demanda

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Manaus

Indígenas do baixo rio Tapajós, no oeste do Pará, fizeram um protesto contra o projeto da Ferrogrão, ferrovia encampada pelo governo Lula (PT) e com estudos e projetos incluídos no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que é tratado como vitrine da atual gestão.

No protesto, um indígena kumaruara esfregou tinta de urucum no rosto de seis homens e uma mulher que estavam sentados na primeira fileira de um auditório da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), em Santarém (PA). Um deles se levantou irritado com o gesto.

O ato ocorreu nesta terça-feira (7), primeiro dia de um evento promovido pelo Ministério dos Transportes em Santarém. O evento é um "seminário técnico sobre viabilidade dos aspectos socioambientais da ferrovia EF-170 (Ferrogrão)", como divulgou a pasta.

Homem esfrega urucum no rosto de outro
Indígena kumaruara fez protesto contra Ferrogrão passando urucum em convidados de evento em Santarém (PA) nesta terça (7) - Reprodução/Conselho Indígena do Território Kumaruara

Entre os objetivos do seminário, estão discussões sobre impactos da ferrovia e sobre o direito a consulta livre a comunidades tradicionais atingidas pelo empreendimento.

Após o protesto, o subsecretário de Sustentabilidade do ministério, Cloves Benevides, disse à Folha que haverá novas escutas de representantes dos indígenas, com novas reuniões bilaterais com diferentes povos envolvidos.

O grupo de trabalho criado, coordenado por Benevides, ainda analisa impactos socioambientais e cálculos sobre demanda e viabilidade econômica da ferrovia, afirmou o integrante da pasta, que participa do seminário em Santarém.

O vídeo do protesto foi postado nas redes sociais de indígenas kumaruaras e do Conselho Indígena do Território Kumaruara.

Conforme a postagem, o gesto de passar a tinta de urucum no rosto de participantes não indígenas do evento, de forma incisiva, foi um manifesto de "oposição veemente" à ferrovia, considerada um "plano de extermínio". O indígena que espalhou o urucum foi Naldinho Kumaruara, liderança espiritual da aldeia Muruary, ainda segundo a postagem em rede social do conselho do território.

Entre as pessoas que são alvos diretos do protesto está o representante de associação de terminais portuários da região amazônica.

A Ferrogrão é um projeto que corta pontos sensíveis da amazônia, num percurso de quase 1.000 km. A obra é um pleito de grandes empresas do agronegócio e é defendida pelo governo Lula.

A ferrovia conectaria Sinop (MT), região de forte produção de grãos, especialmente soja e milho, ao porto de Miritituba (PA), no rio Tapajós.

Indígenas do baixo rio Tapajós dizem não ter sido convidados formalmente para o seminário promovido pelo Ministério dos Transportes.

"O ato foi uma forma de demarcar a presença, força e resistência dos povos que vivem na região e são afetados pelo crescimento da soja, bem como pelo envenenamento dos rios e solos pelos agrotóxicos, grilagem de terras e projetos de escoamento dos grãos, como a Ferrogrão", disse o Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns, em nota.

De pé, homem esfrega urucum, uma tinta vermelha, no rosto de homem sentado em uma plateia
Protesto contra Ferrogrão foi feito por liderança indígena que esfregou urucum no rosto de participantes de evento em Santarém (PA) - Reprodução/Conselho Indígena do Território Kumaruara

"Rostos de representantes de organizações defensoras da Ferrogrão foram pintados com urucum, símbolo de ancestralidade", afirmou o conselho. "O projeto irá impactar diversos territórios indígenas, dentre eles territórios que aguardam demarcação."

Na sequência do protesto com a tinta do urucum, que foi entremeado com um cântico indígena, uma liderança do povo arapium fez uma fala crítica à ferrovia.

"Aqui [no baixo rio Tapajós] temos 14 povos indígenas. Estamos aqui, não é vergonha para nós, é vergonha para o governo quando traz um seminário desse para dentro do nosso território, para discutir um projeto de morte. Eles não têm interesse em nos ouvir", disse Auricélia Arapiun, ex-coordenadora do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns.

Em março, representantes dos povos kumaruara, munduruku, kayapó, panará, apiaká, tupinambá e xavante, além de quilombolas, agricultores familiares, assentados e movimentos sociais das regiões dos rios Tapajós e Xingu, fizeram o que foi chamado de tribunal popular, com julgamento de "violações e seus cúmplices" relacionados à Ferrogrão.

Segundo o documento produzido, a ferrovia provocará desmatamento, encolhimento de unidade de conservação e impactos profundos ao modo de vida das pessoas em pelo menos 16 terras indígenas e 104 assentamentos rurais. O projeto deveria ser cancelado de forma definitiva pelo governo Lula, conforme o documento aprovado.

O Ministério dos Transportes criou um grupo de trabalho por seis meses, prorrogado por mais seis meses. O grupo deve funcionar até setembro. "Vamos continuar conversando com os povos indígenas. Em 180 dias, os estudos serão atualizados, com as escutas devidas", disse Benevides.

A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) revisa termo de referência sobre a abrangência de povos a serem ouvidos. O seminário é um "lugar de fala" inicial, que será estendido, afirmou o integrante do ministério.

Sobre o protesto com o urucum, o subsecretário disse que "o direito de protestar é livre".

Para o ministro dos Transportes, Renan Filho, a Ferrogrão é um investimento arrojado e vai seguir adiante se contornados os impasses jurídicos. A ferrovia, conforme a defesa feita pelo ministro, garantiria eficiência no transporte de cargas, especialmente grãos, no Brasil central.

O protesto do urucum lembrou um gesto da indígena kayapó Tuíra. Em fevereiro de 1989, num encontro em Altamira (PA) para debate sobre a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, ela encostou um facão no rosto de um diretor da Eletronorte. O protesto contra o empreendimento teve ampla repercussão e reflexo no financiamento da usina, que acabou saindo do papel mais de 20 anos depois.

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