Proteger a vida marinha também beneficia pessoas que vivem por perto, diz estudo

Cientistas descobriram que população que vive perto de áreas marinhas protegidas na América Central tem melhor segurança alimentar e maior riqueza familiar

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Delger Erdenesanaa
The New York Times

Proteger áreas do mar situadas próximas da costa, excluindo a pesca, mineração e outras atividades humanas, também pode ajudar as pessoas que vivem nas proximidades, revelou estudo publicado na quinta-feira (29) no periódico Nature Sustainability.

O estudo constatou que as pessoas que vivem perto dessas áreas têm segurança alimentar e renda familiar maiores. A região estudada é o sistema mesoamericano de recifes corais, que se estende da costa leste da América Central por cerca de mil quilômetros ao sul, do México a Honduras.

Para fazer uma comparação entre as populações de peixes das áreas protegidas e não protegidas, os autores do estudo analisaram pesquisas existentes sobre mais de 80 espécies de peixes conduzidas pela organização regional Healthy Reefs for Healthy People Initiative (Iniciativa recifes sadios para pessoas sadias) entre 2005 e 20018. Descobriram que os peixes são 27% mais abundantes nas áreas totalmente protegidas que nas áreas sem proteção. As populações de peixes se mantiveram estáveis ou cresceram com o passar do tempo nessas áreas protegidas.

Mergulhadores trabalham para reparar corais danificados por furacões na costa de Puerto Morelos, no México
Mergulhadores trabalham para reparar corais danificados por furacões na costa de Puerto Morelos, no México; proteger as áreas costeiras também pode ajudar as pessoas que vivem na região - Daniel Berehulak - 12.nov.20/NYT

"A descoberta mais importante, a meu ver, é que as áreas marinhas protegidas podem cobeneficiar humanos e peixes", disse Steven Canty, biólogo marinho do Centro Smithsonian de Pesquisas Ambientais e um dos autores do estudo.

O ecossistema abriga mais de 60 espécies de corais e 500 espécies de peixes. Animais que correm perigo crítico de extinção, como o crocodilo-de-água-salgada e a tartaruga-marinha-comum, vivem perto do recife. Cerca de 2 milhões de pessoas habitam o litoral, e as economias locais são fortemente ligadas ao recife.

Este estudo enfocou Guatemala e Honduras, mas, em todo o mundo, países estão criando mais áreas de proteção marinha. No ano passado, cerca de 190 países firmaram um acordo das Nações Unidas para proteger 30% da terra e dos oceanos do planeta até 2030, em um esforço para frear a perda de biodiversidade. Os Estados Unidos não assinaram o acordo, mas o presidente Joe Biden emitiu em separado uma ordem executiva de proteção de 30% da terra e das águas nacionais.

Cientistas, políticos, indústrias e comunidades discutem há anos se as áreas de proteção marinha funcionam conforme o planejado para sustentar as populações de peixes e se essas áreas ajudam ou prejudicam seus vizinhos humanos. O novo estudo fundamenta a ideia de que as áreas de proteção marinha, pelo menos aquelas em que a pesca está estritamente proibida, também beneficiam a saúde e a renda da população humana local, mesmo em uma região onde as pessoas tradicionalmente dependeram da pesca para sua subsistência.

"Ainda estamos tentando responder algumas dessas perguntas fundamentais —não apenas nessa região, mas em outras— sobre o que funciona e o que não funciona na conservação", disse o biólogo conservacionista Justin Nowakowski, do Centro Smithsonian de Pesquisas Ambientais e autor principal do estudo.

Como outros recifes de corais, este ecossistema está ameaçado pela mudança climática e a pesca predatória. A elevação das temperaturas oceânicas leva os corais a "embranquecer" e morrer e deixa as criaturas vulneráveis a doenças.

O oceano está o mais quente do que jamais esteve nesta época do ano. Enquanto a mudança climática continua a ser um desafio de longo prazo para os recifes, disseram os autores, combater a pesca pode aliviar parte da pressão sobre o ecossistema.

As mais antigas áreas de proteção marinha no recife mesoamericano foram criadas nas décadas de 1970 e 1980, e hoje mais de 40 áreas protegidas cobrem metade das águas costeiras da região. Mas a pesca não é totalmente proibida em todas elas. Algumas das áreas apenas limitam quanto os barcos podem pescar ou proíbem determinados tipos de equipamento de pesca.

Os pesquisadores estudaram a fundo os dados socioeconômicos de pesquisas na Guatemala e em Honduras feitas pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid). Descobriram que as crianças que vivem em comunidades localizadas a até dez quilômetros de áreas de proteção marinha são 40% menos propensas a ter crescimento atrofiado pela desnutrição, quando comparadas com crianças que vivem mais longe.

Usando um índice econômico criado por outros pesquisadores que analisaram pesquisas da Usaid, os cientistas também descobriram que as famílias residentes perto das áreas plenamente protegidas têm renda 33% maior que as famílias que vivem mais longe, embora a maioria das famílias na região ainda sejam relativamente pobres pelos padrões globais.

"É um estudo muito forte em termos estatísticos", disse Natalie Ban, professora de etnoecologia marinha na Universidade de Victoria e que não participou dessa pesquisa. Ela disse que poucos pesquisadores estudaram os efeitos de áreas de proteção marinha sobre a população humana em escala tão grande. O que o estudo não deixou claro para ela é por que e como as áreas protegidas no recife mesoamericano levaram a benefícios de saúde e renda para a população humana local.

Nowakowski alertou que seu estudo oferece uma visão "de 20 mil pés de altitude" das áreas de proteção marinha nesse recife e que são necessárias mais pesquisas em comunidades próximas para entender como a limitação da pesca em certas áreas pode resultar em mais recursos para os habitantes locais.

Os defensores das áreas de proteção marinha argumentam que as populações maiores de peixe das áreas protegidas transbordam para as áreas vizinhas, onde a pesca é permitida, e acabam levando os pescadores a pescar mais peixes, ou então que a biodiversidade maior pode levar as comunidades a desenvolver indústrias de ecoturismo e fontes alternativas de renda.

Canty e seus colegas encontraram evidências de que áreas de proteção marinha mais recentes, criadas com mais contribuições e liderança das comunidades locais, têm desempenho melhor que as áreas mais antigas que foram "impostas" pelos governos federais.

Áreas de proteção marinha em que a pesca é estritamente proibida "não são uma panaceia", disse Nowakoswki, mas representam uma ferramenta potencial em um conjunto que inclui outras estratégias de conservação como limites ao volume pescado, a pesca sazonal e não pescar fêmeas com ovos.

Tradução de Clara Allain

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