Ministério Público aponta propostas ilusórias em crédito de carbono e cobra participação do Estado

Nota técnica de 15 procuradores e 7 promotores recomenda garantia de consulta a povos tradicionais

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Manaus

O MPF (Ministério Público Federal) e o MP (Ministério Público) do Pará elaboraram uma nota técnica, tornada pública nesta segunda (10), em que afirmam que o mercado de crédito de carbono altera o modo de vida de comunidades tradicionais. No texto, são citadas propostas "ilusórias", segundo definem, de melhora de vida, cláusulas abusivas ou ilegais e negociação de créditos em terras supostamente griladas.

No documento de 69 páginas, 15 procuradores da República e sete promotores de Justiça fazem recomendações para a atuação do mercado de geração de créditos de carbono em comunidades tradicionais, como reservas extrativistas e terras indígenas.

Conforme a recomendação, os contratos que envolvam florestas públicas devem ter "necessária intervenção estatal".

Tronco de árvore visto de baixo
Jatobá em área da floresta amazônica no Pará - Lalo de Almeida - 26.ago.2019/Folhapress

Além disso, deve ser assegurada a consulta livre, prévia e informada dos povos tradicionais envolvidos. Essa consulta deve partir do Estado, que não pode delegar a particulares a atribuição, segundo a nota técnica.

"As reuniões e assembleias não podem se limitar à manifestação da direção das entidades legais representativas das populações tradicionais, devendo-se assegurar o direito das posições contrárias à realização dos contratos", afirmaram os procuradores e promotores.

"Os projetos incidentes em áreas públicas devem ser selecionados por mecanismos públicos, bem como deve ser assegurado aos povos e comunidades tradicionais o direito à ampla participação neste ato", cita o documento.

Contratos que envolvam grilagem de terras, com geração de créditos de carbono em terras públicas tomadas por grileiros, devem ser vetados, ressaltam também o MPF e o MP do Pará.

A nota técnica se baseou em dez procedimentos abertos pelo MPF e em quatro instaurados pelo MP para investigar supostas irregularidades em contratos do tipo. Os casos envolvem diversas empresas e comunidades.

Para a Aliança Brasil NBS, que reúne 25 empresas do mercado de carbono voluntário no Brasil, "eventuais problemas identificados devem ser compreendidos de forma a aprimorar metodologias".

Em nota à Folha, o grupo diz que observações não devem extrapolar "para todo o conjunto de atores e desenvolvedores, sob pena de comprometer não apenas os projetos bem-sucedidos, mas também a luta contra as mudanças climáticas".

A aliança de empresas, que afirmam ser responsáveis por 70% dos créditos brasileiros emitidos desde 2022 no segmento de soluções baseadas na natureza e agricultura, floresta e outros usos da terra, afirma que seus membros estão comprometidos com a integridade do mercado voluntário, "os mais rigorosos padrões disponíveis", respeito às leis vigentes e aos direitos das populações tradicionais.

Um documento da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) de março deste ano, revelado pela Folha em reportagem publicada no último dia 28, apontou um aumento expressivo de processos de comercialização de créditos de carbono no mercado voluntário a partir de 2022.

"As comunidades e lideranças indígenas de várias localidades do país vêm sendo procuradas por empresas e escritórios de advocacia com interesse em apresentar projetos e, em alguns dos casos, chegam a firmar contratos", aponta o documento.

O parecer foi elaborado para uma análise do contrato entre a empresa Carbonext e associações da Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará.

O documento considerou inadequado que a empresa tivesse exclusividade —"em caráter irretratável e irrevogável"— na negociação de créditos de carbono no território tradicional. A empresa assinou posteriormente um distrato com os kayapós.

Segundo a Carbonext, que integra a Aliança Brasil NBS, houve consulta livre, acompanhada por Funai e Defensoria Pública do Pará. A exclusividade, diz a companhia, é uma prática de mercado e sempre houve "o mais absoluto respeito aos povos originários e às leis".

A nota técnica do MPF e do MP cita distintos projetos, como os primeiros feitos em terras indígenas (Alto Rio Guamá, dos tembés, e Sete de Setembro, dos paiter suruís), ainda em 2009.

Outro caso envolve a Ilha do Marajó, no Pará, com incidência de créditos de carbono em unidades de conservação federais.

As empresas buscam o desenvolvimento de projetos em terras indígenas mesmo sem existir ainda uma regulamentação no país.

O governo Lula (PT) prepara uma regulação do mercado de crédito de carbono, proposta que já existe em projetos em tramitação no Congresso, e quer criar um sistema de mensuração nacional para emitir seus próprios certificados de carbono, a cargo hoje de entidades estrangeiras.

Os créditos de carbono são gerados a partir de atividades que evitam desmatamento e degradação da floresta. O instrumento que permite isso é o REDD+, desenvolvido no âmbito da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima.

Um crédito equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida na atmosfera em razão do desmatamento que foi evitado. Empresas atuam no chamado mercado voluntário, no qual os créditos de carbono são vendidos a firmas que precisam compensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa.

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