Agências humanitárias testam efeito de dar dinheiro a populações antes de desastres

Experimentos mostram que valores ajudam as pessoas a protegerem melhor a integridade física e os bens quando chuvas e secas chegam

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Somini Sengupta
The New York Times

Desastres naturais podem mergulhar as pessoas mais pobres do mundo na pobreza ainda mais profunda. Agora agências humanitárias estão experimentando algo novo. Estão entregando pequenos valores em dinheiro às pessoas pouco antes da chegada de desastres, em vez de esperar até depois.

Esses experimentos ainda estão em fase inicial, e há poucas pesquisas sobre sua eficácia. Mas já há sinais de que podem ajudar as pessoas a proteger sua integridade física e seus bens de maneiras que antes não teriam podido.

Essa abordagem já foi experimentada em várias situações diferentes: antes da chegada de um ciclone em Moçambique em março, antes de um furacão provocar chuvas torrenciais na América Central em outubro passado e, agora, para ajudar pessoas a se mudarem das encostas do monte Elgon, em Uganda, propensas a deslizamentos de terra.

A razão por que esses pagamentos únicos, conhecidos como alívio antecipado em dinheiro, têm importância agora é que os desastres naturais estão ganhando dimensões muito grandes devido à mudança climática induzida pelo homem. E frequentemente prejudicam mais fortemente as populações mais pobres do mundo.

Mulher negra posa em sua casa com um ventilador ao fundo
Khadija William, moradora do vilarejo de Chipyali, no Maláui, usou dinheiro recebido em programa de assistência para instalar um painel solar em sua casa, com o qual conseguiu colocar iluminação e um ventilador - Khadija Farah/The New York Times

Quando plantações ou imóveis não são protegidos por seguro, desastres repentinos como enchentes, por exemplo, ou catástrofes que vão ocorrendo lentamente, como secas, podem ter efeito devastador. As pessoas podem perder seu único meio de subsistência, sua terra, e seus únicos bens, seus animais de criação.

Considere o que aconteceu quando o Programa Mundial de Alimentos mandou US$ 50 (R$ 243 na cotação atual) por família a 23 mil famílias residentes nas margens do rio Jamuna, em Bangladesh, dias antes de a região ter sido prevista para ser atingida por enchentes extremas, em julho de 2020.

As pessoas que receberam o dinheiro foram menos propensas "a passar um dia sem se alimentar" durante as enchentes, comparadas às pessoas que não o receberam, como revelou uma revisão independente realizada por pesquisadores da Universidade de Oxford e do Centro de Proteção contra Desastres, financiado pela agência de assistência britânica.

Mais surpreendente ainda: até três meses mais tarde, os pesquisadores descobriram que aqueles que receberam o dinheiro estavam se alimentando melhor, tinham menos chances de haver vendido seus animais de criação ou de ter contraído empréstimos com juros elevados.

A ajuda em dinheiro como ferramenta geral de combate à pobreza também trouxe ganhos surpreendentes. Um estudo global recente feito com 7 milhões de pessoas em 37 países constatou que dar dinheiro diretamente a pessoas pobres resulta em menos mortes de mulheres e crianças.

Mulher negra posa ao lado de uma cabra em uma trilha de terra, com árvores ao fundo
Suwema Gray, do vilarejo de Chipyali, no Maláui, comprou cinco cabras com o dinheiro recebido em um programa de assistência - Khadija Farah/The New York Times

Outro estudo constatou que a ajuda em dinheiro evitou a insegurança alimentar em algumas partes do sul da África quase 20 anos atrás, mas não em outras, onde os preços dos alimentos subiram vertiginosamente.

Nos Estados Unidos, a ajuda em dinheiro dada a mães no primeiro ano de vida de seus filhos fortaleceu o desenvolvimento cerebral dos bebês. Dezenas de cidades americanas estão com projetos-piloto para dar dinheiro a moradores pobres, sem impor condições ao benefício.

Agora há a pressão adicional das condições meteorológicas extremas, tanto aceleradas quanto lentas, agravadas pela queima de carvão, óleo e gás. Os proponentes da ajuda em dinheiro dizem que é uma maneira mais eficaz de usar dinheiro de assistência, porque o dinheiro vivo envolve menos despesas logísticas e é canalizado diretamente para a economia local.

"As transferências em dinheiro ajudam famílias a sobreviver a desastres climáticos", disse Miriam Laker-Oketta, diretora de pesquisas da entidade humanitária GiveDirectly, que faz exatamente isso –doa diretamente. "O dinheiro possibilita escolhas e alcança os destinatários da ajuda rapidamente."

Céticos veem essas doações como uma solução tipo band-aid, que não é páreo para a coleção de perigos enfrentadas pelos pobres no Sul Global: calor mortífero, elevação do nível dos mares, chuvas erráticas. Nem todos que precisam receberão dinheiro.

"Não é sustentável", opinou Wanjira Mathai, gerente na ONG WRI (World Resources Institute). "Sempre haverá uma limitação em termos de onde vem esse dinheiro."

Os pagamentos em dinheiro vêm sendo experimentados com frequência crescente em diferentes lugares. O Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho deu dinheiro a pastores da Mongólia durante períodos de frio intenso e a famílias na Guatemala e em Honduras pouco antes de o furacão Julia ter causado enchentes catastróficas, em outubro passado.

O Programa Mundial de Alimentos tem oferecido dinheiro não apenas antes de um desastre repentino mas também, na Etiópia, muito antes do início de uma seca prolongada.

As pessoas usaram o dinheiro para comprar alimentos, saldar empréstimos e, quando também lhes eram entregues previsões de seca, para comprar alimento e remédios para seus animais de criação, concluiu a agência em sua própria análise.

O grupo de Laker-Oketta vem trabalhando com vilarejos no Maláui, também fortemente atingidos pela seca nos últimos anos. No ano passado, mandou dois pagamentos de US$ 400 (R$ 1.948 na cotação atual) às famílias.

Em um vilarejo do sul do país, Chipyali, a chefe do povoado, Khadija William, comprou um pequeno painel solar que lhe permitiu instalar uma luz e um ventilador em sua casa. Suwema Gray comprou cinco cabras com seu dinheiro.

E Margaret Daiton construiu uma casa de tijolos e zinco para tomar o lugar da casa antiga, feita de barro e sapé que tinha infiltrações todo ano na época das chuvas. Mas o dinheiro não foi o bastante para ela comprar madeira para a porta. Ela gastou o que lhe restou da quantia recebida com comida.

Mulher negra posa em frente à casa, de tijolos, com a porta em aberto; ela usa um pano branco na cabeça, blusa rosa e saia azul marinho com estampa vermelha e branca
Margaret Daiton posa em frente à casa que construi com dinheiro recebido de programa de assistência no vilarejo de Chipyali, no Maláui - Khadija Farah/The New York Times

Mesmo sem porta, Daiton ficou aliviada por ter terminado de erguer sua casa antes das chuvas torrenciais que chegaram este ano com o ciclone Freddy. "A casa antiga teria sido completamente destruída", ela disse.

Mas as limitações da assistência em dinheiro também estavam em plena vista em Chipyali. Algumas pessoas que gastaram seu dinheiro comprando sementes híbridas caras e fertilizantes químicos, como foram aconselhadas a fazer, perderam tudo. As chuvas levaram embora tudo que haviam plantado.

Tradução de Clara Allain

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