Entenda por que mudanças climáticas causam tanto calor e incêndios na Europa

Sem redução de gases-estufa, ondas de calor e queimadas serão mais intensas e frequentes, alertam cientistas

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Reuters

Neste verão, a Europa mais uma vez enfrenta temperaturas escaldantes, e incêndios ardem em vários pontos do continente, da Grécia à Espanha. Entenda abaixo como as mudanças climáticas causam esses eventos na região.

Dois bombeiros usam mangueiras contra fogo; há chamas altas na vegetação e muita fumaça
Bombeiros combatem chamas perto de Prodromos, a 100 km de Atenas, na Grécia - Spyros Bakalis/AFP

Ondas de calor mais quentes e frequentes

A mudança climática torna as ondas de calor mais quentes e mais frequentes. Esse é o caso da maioria das regiões terrestres, como atesta o grupo global de cientistas climáticos das Nações Unidas, o chamado IPCC (Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas).

Desde o tempo pré-industrial, as emissões de gases-estufa geradas por atividades humanas já levaram a temperatura do planeta a subir cerca de 1,2°C. Essa temperatura de base mais quente faz com que se chegue a temperaturas mais altas durante eventos de calor extremo.

Cada onda de calor que está sendo sentida hoje tem sido mais quente e mais frequente devido à mudança climática, reforça Friederike Otto, climatologista do Imperial College de Londres que coordena o grupo de pesquisadores World Weather Attribution.

Mas outras questões também afetam as ondas de calor. Na Europa, a circulação atmosférica é um fator importante.

Impressões digitais da mudança climática

Para descobrir exatamente o quanto a mudança climática afeta uma onda de calor específica, cientistas realizam os chamados estudos de atribuição. Mais de 400 estudos desse tipo foram conduzidos desde 2004 sobre eventos climáticos extremos, incluindo ondas de calor, inundações e secas, calculando até onde a mudança climática exerceu um papel em cada evento.

Os estudos envolvem simular o clima moderno centenas de vezes e compará-lo com simulações de um clima sem emissões de gases-estufa causadas pelo homem.

Por exemplo, cientistas do World Weather Attribution determinaram que uma onda de calor que quebrou recordes no oeste da Europa em junho de 2019 teve probabilidade cem vezes maior de ocorrer agora na França e Holanda do que seria o caso se os humanos não tivessem modificado o clima.

Ondas de calor vão se agravar

Em média, em terra, extremos de calor que sem influência humana sobre o clima teriam ocorrido uma vez a cada dez anos hoje são três vezes mais frequentes, segundo a climatologista Sonia Seneviratne, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique.

A temperatura só vai parar de subir se os humanos pararem de lançar gases-estufa na atmosfera. Enquanto isso não acontecer, as ondas de calor devem se agravar. Se a mudança climática não for combatida, os extremos de calor podem se intensificar de modo ainda mais perigoso.

Pelo Acordo de Paris, de 2015, os países assumiram o compromisso de reduzir suas emissões com rapidez suficiente para limitar o aquecimento do planeta a no máximo 2°C acima dos níveis pré-industriais e visar não passar de 1,5°C, de modo a evitar os impactos mais perigosos. As políticas sendo seguidas hoje não vão, porém, reduzir as emissões em tempo hábil para que qualquer das duas metas seja alcançada.

Uma onda de calor que ocorresse uma vez por década na era pré-industrial ocorreria 4,1 vezes por década com 1,5°C de aquecimento e 5,6 vezes com 2°C, diz o IPCC.

Deixarmos que o aquecimento passe de 1,5°C "significará que a maioria dos anos no futuro serão afetados por extremos de calor", disse Seneviratne.

Incêndios florestais

A mudança climática aumenta as condições de calor e seca que ajudam incêndios a se espalharem em menos tempo, durarem mais e serem mais intensos.

No Mediterrâneo, isso vem contribuindo para fazer a estação dos incêndios começar mais cedo e devastar áreas maiores. Incêndios que estão ardendo na ilha de Rhodes, na Grécia, desde meados de julho, exigiram a evacuação de 20 mil pessoas quando o fogo chegou a resorts turísticos e vilas litorâneas no sudeste da ilha.

O calor também suga a umidade da vegetação, convertendo-a em combustível seco que ajuda os incêndios a se propagar.

Condições do tempo mais secas e quentes tornam os incêndios muito mais perigosos, diz Mark Parrington, cientista sênior do Serviço de Monitoramento Atmosférico Copernicus.

Sem a mudança climática induzida pelo homem, os eventos climáticos extremos vistos em várias partes do mundo neste verão teriam sido extremamente raros, segundo estudo da World Weather Attribution.

O trabalho concluiu que a mudança climática induzida pelo homem desempenhou um papel absolutamente dominante nas ondas de calor extremas que se abateram sobre a América do Norte, Europa e China em julho.

Mudança climática não é único fator para incêndios

O manejo florestal e as fontes de ignição também são fatores importantes para os incêndios. Na Europa, segundo dados da União Europeia, mais de nove em cada dez incêndios são ateados por atividades humanas, como incêndios criminosos, churrasqueiras descartáveis, linhas elétricas ou vidro espalhado pelo chão.

Vários países, incluindo a Espanha, enfrentam o desafio do encolhimento da população rural devido ao êxodo dos habitantes para as cidades, reduzindo a força de trabalho disponível para limpar vegetação rasteira e evitar o acúmulo de combustível para incêndios florestais.

Algumas ações podem ajudar a evitar incêndios graves, como atear queimadas controladas que imitem os incêndios de baixa intensidade dos ciclos naturais do ecossistema ou abrir clareiras em florestas para evitar que incêndios se espalhem rapidamente por áreas extensas.

Mas há um consenso entre os cientistas de que, sem uma redução forte das emissões de gases-estufa que causam a mudança climática, as ondas de calor, os incêndios, inundações e secas vão se agravar muito.

Dentro de uma ou duas décadas, quando as pessoas olharem para trás, para a estação atual de incêndios, ela provavelmente parecerá amena em comparação com o que elas estarão vivenciando, disse Victor Resco de Dios, professor de engenharia florestal na Universidade Lleida, na Espanha.

Tradução de Clara Allain

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