Geleiras 'eternas' do oeste dos EUA não são mais eternas

Mudanças climáticas estão derretendo o gelo no monte Rainier; com diminuição de glaciares, rochas caem, destroem florestas antigas e mudam curso dos rios

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Somini Sengupta
Parque Nacional do Monte Rainier, Washington | The New York Times

Antigamente eram 29. Agora pelo menos uma sumiu, talvez três. As que restam têm quase a metade do tamanho que costumavam ter.

O monte Rainier está perdendo suas geleiras. Isso é ainda mais impressionante porque é a montanha mais coberta de geleiras contíguas nos Estados Unidos. Ela fica no estado de Washington, no oeste do país.

As mudanças refletem uma dura realidade global: os glaciares das montanhas estão desaparecendo à medida que a queima de combustíveis fósseis aquece a atmosfera da Terra.

Segundo o Serviço Mundial de Monitoração dos Glaciares, a área total das geleiras diminuiu de forma constante no último meio século; alguns dos declínios mais acentuados ocorreram no oeste dos Estados Unidos e no Canadá.

O Glaciar Nisqually na encosta sudoeste do Monte Rainier
Glaciar Nisqually na encosta sudoeste do monte Rainier - Max Whittaker - 22.out.2018/The New York Times

O Parque Nacional do Monte Rainier, um destino turístico popular que recebe cerca de 2 milhões de visitantes todos os anos, está sentindo os efeitos acentuadamente.

As flores silvestres, uma das principais atrações do verão, estão florescendo em épocas estranhas. A temporada para escalar o cume de 4.200 metros encurtou.

Os abetos de Douglas estão descendo as encostas das montanhas para áreas onde há menos neve do que antes. Rochas estão caindo das geleiras que recuam, destruindo florestas antigas, mudando o curso dos rios e, o mais importante para o Serviço Nacional de Parques, inundando estradas que deveriam manter para que os turistas possam chegar e desfrutar da natureza.

Uma pequena geleira voltada para o sul, a Stevens, não existe mais e foi removida do inventário de geleiras do parque. Duas outras, conhecidas como Pyramid e Van Trump, "estão em sério risco", conforme uma pesquisa exaustiva publicada neste verão pelo Serviço de Parques, e poderá ter desaparecido quando a agência realizar a próxima pesquisa, dentro de um ano ou dois, disse Scott R. Beason, geólogo do parque que liderou o estudo.

"Extinguir uma geleira não é algo que considero levianamente", disse ele. "Perdê-las é muito sério."

Seu estudo usou medições históricas de geleiras, imagens de satélite e fotografias aéreas para montar um mapa tridimensional da neve e do gelo do parque.

Descobriu que a área total coberta pelo gelo glaciar diminuiu 42% entre 1896 e 2021 —outra pesquisa realizada no outono de 2022 pelo glaciologista Mauri Pelto, concluiu que a Pyramid e a Van Trump tinham desaparecido.

A face do monte Rainier está mudando, provavelmente para sempre.

Beason percebeu isso quando entrou no parque na semana passada e olhou para cima. A montanha parecia "subjugada", disse ele.

Mesmo em setembro, sobrou pouca neve de inverno na geleira Nisqually, uma das maiores e mais proeminentes dessa montanha. Rochedos pretos estavam pendurados da superfície da geleira. Com o passar dos anos, a foz do Nisqually foi subindo cada vez mais pela montanha.

"As geleiras do monte Rainier estão em extinção em longo prazo", alertou o relatório do Serviço de Parques. "Os impactos de longo prazo dessa perda serão generalizados e afetarão muitos aspectos do ecossistema do parque."

Os alpinistas também enfrentam novos desafios. As geleiras são as estradas pelas quais eles caminham para chegar ao cume. Essas passagens estão derretendo cada vez mais cedo no verão. Os caminhos para o cume ficam mais longos, pois os escaladores precisam contornar fendas e fissuras arriscadas. A temporada de escalada está ficando mais curta.

Em uma manhã cheia de neblina em agosto, Paul Kennard, um geomorfologista que se aposentou recentemente após 20 anos no Serviço de Parques, deixou seu carro no estacionamento Paradise, passou pelos visitantes de verão que tinham vindo admirar as flores silvestres e logo partiu para escalar a Nisqually.

Paul Kennard na geleira Nisqually do Monte Rainier, em Washington (EUA)
Paul Kennard na geleira Nisqually do monte Rainier, em Washington (EUA) - Max Whittaker - 22.out.2018/The New York Times

É uma das geleiras com maiores problemas. Grande parte dela está abaixo de 3.000 metros e no lado sul da montanha, onde o calor é maior. É improvável que o topo da montanha perca a neve e o gelo. Se isso ocorresse, o monte Rainier, um vulcão ativo, teria uma aparência muito diferente. "Como a cabeça do Darth Vader", disse Kennard.

Para o visitante não iniciado, não parecia uma geleira. Kennard garantiu que sim. Ele já escalou a Nisqually pelo menos 75 vezes, disse. Hoje parecia pior do que ele imaginava.

"Uma geleira saudável, ou pelo menos mantendo-se firme, ou avançando, tem um visual diferente", disse ele. "Não parece tão desanimada."

Embaixo de algumas rochas, viam-se veios brilhantes de gelo preto. Às vezes, você podia ouvir um rumor de água corrente –uma lembrança do rio congelado onde você estava. Um estrondo ao longe significava que pedras estavam caindo. As grandes, disse Kennard, apontando para algumas do tamanho de vans, poderiam se desalojar e desabar a qualquer momento. Dependendo do seu número e velocidade, elas podem causar estragos.

O pior de que se lembra foi em 2006, quando um glaciar arrebentou e enviou uma poderosa lama de sedimentos úmidos e pedras para um afluente do Rio Nisqually. Parecia um trem de carga. Rochas enormes rolaram. O fluxo de detritos, como é chamado, esmagou um bosque de abetos Douglas que tinha pelo menos cem anos de idade. O rio saltou de suas margens, mudou de curso e destruiu pedaços da estrada de 21 km de extensão do lado oeste.

Essa estrada permanece fechada ao tráfego. Os esqueletos daqueles abetos de Douglas alinham-se nas margens distantes. "Vejo um rio enlouquecido", disse Kennard.

Há alguns anos, pouco antes de se aposentar, Kennard desenvolveu uma solução de baixo custo, utilizando o que a montanha expelia: árvores altas e pedras grandes. Ele criou uma série de contrafortes com troncos espremidos entre as pedras e projetando-se para o rio, num esforço para proteger a margem do desmoronamento.

Foi um projeto piloto, pensado para salvar uma das estruturas mais importantes do parque: a estrada principal que os motoristas percorrem desde a entrada sul. Essa estrada fica perigosamente próxima do Rio Nisqually, que corre livremente enquanto as geleiras "eternas" do monte Rainier desaparecem. "Menos eternas agora", disse Kennard. "As geleiras estão se desfazendo."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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