Anfetaminas também fazem mal ao ambiente

Cada quilo de anfetamina gera quase 40 quilos de resíduos, que são despejados nos solos e na água

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Amílcar Correia
Público

As autoridades europeias estão preocupadas com as consequências do consumo de anfetaminas nos consumidores e no meio ambiente. O OEDT (Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência) e a Europol (agência policial europeia) afirmam que a produção do estimulante sintético mais comum tem vindo a sofisticar-se e a dar a origem a um mercado regular, que movimenta já mais de um bilhão de euros todos os anos.

A Europa e o Oriente Médio são as regiões do globo que mais anfetaminas produzem e consomem, com especificidades em cada uma delas. Enquanto, na primeira, aquele estimulante é consumido em pó e pasta, no Oriente Médio é utilizado em forma de comprimidos, que são apresentados como sendo Captagon, mas não o são na verdade.

Mãos com luva preta de lã seguram um punhado de comprimidos de uma grande quantidade disposta em uma mesa
Comprimidos da anfetamina conhecida como Captagon apreendidos na Arábia Saudita - Fayez Nureldine - 1º.mar.2022/AFP


O Captagon era um medicamento de prescrição médica, proibido na década de 80 por ser altamente viciante, bastante conhecido na região. Países como Síria e Líbano começaram a produzir anfetaminas com aquele nome —as substâncias assemelham-se—, para aproveitarem a sua popularidade, criada graças à euforia e energia que proporciona a quem a toma.

As agências europeias da droga e da cooperação policial publicaram esta segunda-feira (16) uma análise aos processos de produção e de tráfico desta droga sintética, na qual observam que os métodos tradicionais de fabricação têm sido simplificados e sofisticados ao longo dos últimos anos, através da redução do emprego de produtos químicos e de equipamentos. Essa simplificação tem um retorno óbvio: aumenta os lucros.

A evolução deste mercado ilegal tem provocado o surgimento de novos laboratórios. Isto, porque há muitos casos em que o produto final não é finalizado nos laboratórios onde a anfetamina é sintetizada, mas exportada como óleo-base e convertida em sulfato de anfetamina nesses "laboratórios de conversão". Entre 2019 e 2021, foram desmantelados 337 locais de produção ilícita de anfetaminas na UE (União Europeia).

Oficial de segurança do Líbano segura pílula de captagon confiscada
Oficial de segurança do Líbano segura pílula de captagon confiscada - Joseph Eid - 21.jul.22/AFP

A disseminação destes "laboratórios de conversão" é um dos principais receios da evolução do mercado das anfetaminas. Existem indícios, garantem as duas agências, de que o óleo de base de anfetamina está a ser traficado dos países de origem (Bélgica e Países Baixos) para outros Estados-membros da União Europeia. É nestes países, de maior produção, que preço e pureza são mais elevados.

Rita Jorge, perita do OEDT, diz ao Público que "a história das anfetaminas é uma história de engenharia química".

Esta química e especialista em anfetaminas explica que a produção destas drogas envolve "operações profissionais, com reatores, tal como em fábricas químicas". Trata-se, prossegue, de uma indústria com experiência de produção de grandes quantidades, em espaços pequenos e remotos, e com equipamentos apropriados. "Usam um processo-base da química orgânica, o Leuckart", conclui.

Mais produção, mais potência

Neste contexto, a probabilidade de esta droga, no futuro, vir a ser produzida ainda com maior potência e de a sua produção aumentar com a procura de Captagon na Península Arábica não é de descartar, o que motiva a apreensão das duas agências europeias.

Na prática, a expansão do mercado de anfetaminas pode ter um efeito pernicioso na UE, quer na sua produção, quer no tráfico através dos seus principais portos marítimos.

"Embora o seu mercado permaneça relativamente estável, não devemos subestimar o impacto que a droga tem na saúde e segurança dos europeus", realça Alexis Goosdeel, diretor do OEDT.

As anfetaminas, sublinha, não afetam apenas quem as consome. O seu impacto é grande nas comunidades e a sua produção provoca bastantes danos ambientais, com consequências para a saúde pública. Goosdeel exemplifica: cada quilograma de anfetamina produzida gera quase 40 quilogramas de resíduos químicos, que são despejados nos solos e na água.

Catherine De Bolle, diretora executiva da Europol, corrobora: "O mercado de drogas sintéticas movimenta bilhões de euros a cada ano e a sua produção está a tornar-se mais sofisticada".

De Bolle acrescenta que as redes de distribuição estão mais inteligentes, as drogas mais prejudiciais e que grandes quantidades de resíduos químicos tóxicos "gerados pela síntese química têm sido libertados na natureza, colocando em perigo a saúde e a segurança pública".

As agências consideram que é necessário melhorar a troca de informações sobre os meandros da produção e distribuição, para debelar a sua expansão. Isso quer dizer troca de informações operacionais e estratégicas, para orientar intervenções criminais, controlar os fluxos de precursores e produtos químicos essenciais na produção de anfetaminas, que assentam, por vezes, "em estruturas legais, adquiridas ou infiltradas para fins ilegais".

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