'Maré-rei' sobe e inhame amarela em países-ilha como Palau, maiores vítimas da crise climática

Na COP28, nações insulares do Pacífico, Índico e Atlântico relatam ameaça de acabarem submersos com aumento do nível do mar

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Vista aérea do arquipélago com água azul e cristalina e pequenas porções de terra com marinas

A ilha de Koror abriga a antiga capital, também chamada de Koror, e é o centro comercial de Palau Adobe Stock

Dubai

O palauense Rondy Ngirachereang cresceu na base do peixe que seu pai capturava todos os dias no mar acompanhado de inhame —plantado, cozido e amassado pela mãe—, mas o cardápio da família tem sofrido mudanças substanciais nos últimos anos, após o advento das marés-rei.

Maré-rei ("king tide") é como os 21 mil habitantes de Palau, uma nação arquipélago do oceano Pacífico, vêm chamando as marés mais altas do que as normalmente altas, que banharam as costas de suas cerca de 400 ilhas por milhares de anos.

"Desde 2011, talvez, há mais tufões e, de junho a dezembro, as marés-rei sobem e invadem as plantações de taro", conta Ngirachereang à Folha no pavilhão de Palau na COP28, conferência da ONU sobre mudanças climáticas que acontece em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Vista aérea de casas e ruas perto da costa em uma ilha; o oceano é azul claro
Koror, em Palau, é uma ilha que abriga a antiga capital, também chamada de Koror, e é o principal centro comercial do país - Adobe Stock

Taro é como os palauenses, que falam inglês e palauano, chamam o inhame. Agricultura de subsistência mais importante do país, o taro é tradicionalmente plantado próxima à costa, onde vive grande parte da população.

"Quando a água do mar entra na terra, o taro estraga. As folhas passam de verde a amarelas e perde-se toda a plantação", lamenta ele, que hoje é diretor da rádio oficial do governo de Palau.

No que se refere ao pai de Ngirachereang, ocorre algo diferente. "Com o aumento da temperatura, mesmo que pequeno, morrem os pequenos organismos que vivem simbioticamente com os corais. Em consequência, acabam-se os corais e os peixes perdem seus habitats. O resultado final é que os peixes estão muito menores. Meu pai costumava pegar o peixe que quisesse há 30 anos e agora é muito mais difícil", diz.

Ngirachereang teme que, "em talvez cem anos", seu país desapareça, engolido pelo aumento do nível do mar ocasionado pelo derretimento das geleiras e calotas polares. "Pode desaparecer tudo o que amamos", diz.

Palau não é o único país a enfrentar essa situação desesperadora. Uma série de outros países-ilha estão ameaçados no mundo. Ainda no Pacífico, Tuvalu, Kiribati, Vanuatu e Ilhas Salomão são locais descritos com frequência por especialistas como em risco de submergir.

Outro local são as Ilhas Marshall, que lançaram na terça (5), na COP28, um "plano de sobrevivência" baseado em consultas comunitárias, diálogos governamentais e no conhecimento científico e tradicional indígena.

Palau e Ilhas Marshall, ao lado de Fiji, Micronésia, Santa Lúcia, Samoa, Tuvalu e Vanuatu, são países do Pacífico que assinaram uma declaração conjunta na COP urgindo por mudanças.

"Este é o momento da solidariedade. A mobilização de financiamento para a ação climática deve atingir os trilhões [de dólares], e devemos pôr em prática reformas do sistema financeiro para responder à multiplicidade de crises que o mundo enfrenta hoje", escreveram.

Já no oceano Índico, há, por exemplo, Maldivas, Ilhas Cocos, Seychelles e Comores, sendo essa última a nação-arquipélago de Houssoyni Housseni, também presente na COP28. "Estamos com problemas", admite ele.

"Muitas vilas são costeiras e algumas pessoas têm perdido terras e casas com a subida do mar. Tentam se adaptar, mas algumas acabam tendo que se mudar para terras de familiares", conta Housseni.

Segundo ele, a pobreza das Ilhas Comores, que tem uma população próxima de 900 mil pessoas, cria um segundo problema. "Sem dinheiro para comprar tijolos, a população usa areia das praias para construir. Então, nossa areia está sumindo por esses dois motivos", entristece-se.

Pulamos para o próximo oceano, o Atlântico, e temos Bahamas, Belize e Jamaica como nações insulares já apontadas pelo Banco Mundial como especialmente vulneráveis caso ocorra um aumento de um metro no nível das águas.

Barbados, formada por uma única ilha no Caribe e habitada por 270 mil pessoas, está tendo o ano mais quente de sua história em 2023. "Somos um país bastante voltado para o turismo", ressalta o consultor de negócios Taahir Bulbulia, no pavilhão da COP28.

"É claro que o calor afeta os negócios. Além disso, as praias ficam menores e a agricultura de cana-de-açúcar está sofrendo. São desafios significativos que temos que enfrentar."

Linhas sinuosas de uma ilha
Atol de Funafuti, em Tuvalu, um país-ilha ameaçado pelo avanço do mar - Torsten Blackwood - 19.fev.2004/AFP

Voltando a Palau e sua maré-rei, Ngirachereang estima que talvez um quinto da população já tenha sido afetada pelo aumento do nível do mar. "Nos piores dias, a água do mar entra nas casas e chega ao joelho das pessoas", descreve.

"O problema é que eles possuem aquelas terras e aquelas casas. É muito difícil decidir sair e deixar sua terra para trás. Por isso, tentam adaptar as construções. Quando há tufões, o dinheiro enviado pela ajuda internacional acaba sendo usado para construir casas em locais mais altos", conta.

Por outro lado, Palau não tem contribuído muito para a diminuição da emissão de gases. O país está tentando chegar a 20% de energia renovável, mas, segundo Ngirachereang, a maior parte ainda é gerada por motores a diesel.

"Hoje temos geração eólica e solar, mas a meta, até 2050, é termos 100% de energia renovável. Há muita pesquisa em andamento por lá, em parceria com grandes universidades, como Stanford. Talvez as marés possam se tornar uma boa fonte de energia. Estamos estudando", finaliza.

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