Descrição de chapéu mudança climática

Derretimento de gelo da Antártida ameaça existência de pinguins

Diminuição do gelo afeta troca de penas dos filhotes, que não conseguem sobreviver ao frio extremo

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Pinguins-de-adélia escorregam na neve perto da Estação Antártica Comandante Ferraz, base brasileira no continente gelado, que fica na Ilha Rei George, na Antártida

Pinguins-de-adélia escorregam na neve perto da Estação Antártica Comandante Ferraz, base brasileira no continente gelado, que fica na Ilha Rei George, na Antártida Eduardo Knapp/Folhapress

São Carlos (SP)

A rápida diminuição das áreas de gelo marinho na Antártida, principalmente na porção ocidental do continente, colocam em risco ao menos duas espécies de pinguins, cujo ciclo de vida depende das plataformas congeladas da região.

Uma série de estudos recentes mostra que a situação não está nada auspiciosa para a maior e mais famosa ave do grupo, o pinguim-imperador (Aptenodytes forsteri), e traz sinais preocupantes também para o pinguim-de-adélia (Pygoscelis adeliae). A primeira espécie costuma criar seus filhotes justamente em cima do gelo marinho antártico. Já a segunda usa os trechos congelados para a fase anual de troca de penas, essencial para manter sua capacidade de suportar os piores meses do inverno.

Apesar da associação quase imediata entre a Antártida e os pinguins no imaginário das pessoas, o fato é que a maioria das cerca de 20 espécies do grupo não vive em território antártico. Além do pinguim-imperador e do pinguim-de-adélia, que estão presentes na região continental da Antártida propriamente dita, mais três espécies têm colônias na extremidade norte da península Antártica, a língua de terra que se estende rumo à América do Sul. Os pinguins da península costumam fazer seus ninhos no solo, e não no gelo.

No caso dos pinguins-imperadores, um estudo coordenado por Peter Fretwell, do Serviço Antártico Britânico, revelou que 2022 foi catastrófico para as colônias da espécie que vivem na região do mar de Bellingshausen, no lado ocidental da península. Com base em imagens de satélite de alta resolução, que permitem ver manchas amarronzadas (basicamente, fezes de pinguim) em contraste com a brancura do gelo e da neve, Fretwell e seus colegas estimam que, das cinco colônias da área, quatro perderam todos os seus filhotes por conta da diminuição acelerada do gelo marinho.

O risco é tão grande porque a fase de criação dos bebês pinguins se dá no gelo marinho que está "ancorado" em terra firme (em tese, não são pedaços de gelo que flutuam soltos no oceano, portanto). Segundo o estudo, publicado na revista especializada Communications Earth & Environment, os casais da espécie costumam ocupar essas extensões de gelo de abril a janeiro. As fêmeas botam seus ovos entre maio e junho e os filhotes nascem após 65 dias de incubação.

O problema é que os bebês só ganham suas penas de adulto, impermeáveis e essenciais para que eles consigam não afundar n’água, entre dezembro e janeiro. No entanto, em 2022, nas colônias que sumiram, as extensões de gelo marinho onde ficavam os ninhos já tinham derretido em novembro – muito provavelmente, portanto, os filhotes acabaram afundando e seus pais tiveram de abandonar a área.

"Jamais tínhamos visto pinguins-imperadores perderem a estação reprodutiva nessa escala num único ano. A perda de gelo marinho nessa região durante o verão antártico fez com que a sobrevivência dos filhotes que perderam seus ninhos seja muito improvável", declarou Fretwell. "As evidências atuais sugerem que eventos de perda extrema de gelo marinho como esse vão se tornar mais frequentes e afetarão áreas mais amplas no futuro."

De fato, segundo comunicado do Serviço Antártico Britânico, a região foi palco, desde 2016, das quatro menores extensões de gelo marinho ao longo dos últimos 45 anos de registros por satélite.

Em outro estudo, coordenado por Annie Schmidt, da ONG americana Point Blue Conservation Science, cientistas monitoraram cerca de 200 pinguins-de-adélia que vivem na região do mar de Ross, na Antártida continental, além de usar dados de satélite sobre o gelo marinho na região.

Os resultados, que saíram no periódico especializado PNAS, indicam que os trechos de gelo marinho usados pelas aves para sua troca de penas têm diminuído no mar de Ross desde os anos 1980, com uma aceleração desse processo nos últimos cinco anos.

Além disso, existe uma correlação clara entre a concentração do gelo e a capacidade de retorno das aves para suas colônias após a troca de penas. A cada redução de 10% nas áreas de gelo marinho, há uma queda entre 2,4% e 4,8% no número de pinguins que conseguem voltar às colônias reprodutivas.

Como se não bastassem essas ameaças, há ainda os efeitos indiretos ligados ao krill, pequeno crustáceo semelhante a um camarão que é um dos principais pratos do cardápio dos pinguins. O krill também usa o gelo marinho para se alimentar e se proteger, o que significa que o derretimento pode tornar a dieta dos pinguins bem menos farta. Impactos sobre o crustáceo podem afetar até as espécies da península Antártica que não dependem diretamente do gelo marinho para sua reprodução ou troca de penas.

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