Pinguins-de-adélia sobrevivem na Antártida onde gelo ainda é abundante

Crise do clima diminuiu populações da ave no lado ocidental da península Antártica

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Henry Fountain
The New York Times

A vida não tem sido fácil para os pinguins-de-adélia que vivem no lado ocidental da península Antártica, onde o aquecimento ligado à mudança climática vem ocorrendo em ritmo mais acelerado que praticamente qualquer outro lugar do planeta. Esse e outros fatores levaram à queda acentuada nas populações dos pinguins nas últimas décadas.

Mas do lado oriental, a história é outra.

"No lado oeste da península, a situação é desastrosa", disse Heather Lynch, ecologista estatística da Universidade Stony Brooks que estuda as populações de pinguins e suas transformações recentes. "Já no lado leste, as populações são estáveis e estão sadias."

Ecologista Michael Wethington (ao fundo) conta ninhos de pinguins-de-adélia na ilha Joinville, no lado oriental da Península Antártica, onde o gelo perene mantém as condições para a sobrevivência da espécie
Ecologista Michael Wethington (ao fundo) conta ninhos de pinguins-de-adélia na ilha Joinville, no lado oriental da Península Antártica, onde o gelo perene mantém as condições para a sobrevivência da espécie - Tomas Munita/NYT

​Lynch usa imagens de satélite em boa parte de seu trabalho, mas também organiza expedições à península Antártica, a parte mais setentrional do continente antártico, para fazer levantamentos das populações de pinguins. Na última dessas expedições, em janeiro, três dos antigos e atuais doutorandos dela realizaram a contagem em ilhas no lado leste da península, no mar de Weddell.

O trabalho deles revelou que as populações de pinguins-de-adélia da área mudaram pouco desde as contagens anteriores realizadas nas duas últimas décadas. Isso sugere que, à medida que o aquecimento global continua e as populações de pinguins-de-adélia minguarem em outras partes da Antártida, o mar de Weddell pode continuar a funcionar como refúgio para as aves.

"É uma confirmação de que nos lugares onde o clima não mudou tanto, as populações tampouco mudaram muito", comentou Lynch.

O mar de Weddell é notoriamente gelado, graças a uma corrente rotatória, ou giro, que conserva boa parte do gelo compactado dentro do mar durante anos. O gelo dificulta a navegação para a maioria dos navios. (Foi no Mar de Weddell que o navio do explorador Ernest Shackleton, Endurance, foi esmagado pelo gelo um século atrás. Os destroços do Endurance foram localizados no mês passado.)

Ao longo dos anos os alunos de Lynch vêm fazendo levantamentos dos pinguins a partir de navios de cruzeiro, em troca de dar palestras e ajudar de outras maneiras. Na península Antártica, esses navios geralmente ficam do lado ocidental. Há regulamentos que limitam as visitas à costa a um conjunto específico de colônias.

A viagem de janeiro foi feita num navio do Greenpeace que deu a volta da extremidade da península, chegando ao noroeste do mar de Weddell. "É um lugar onde estávamos querendo ir", comentou Lynch.

Os três pesquisadores —Michael Wethington, Clare Flynn e Alex Borowicz— usaram drones e contagens manuais para determinar o número de filhotes presentes nas colônias de pinguins-de-adélia nas ilhas de Joinville, Vortex, Devil e outras.

Flynn, que é doutoranda na Universidade Stony Brook, disse que fazer a contagem manual das aves leva tempo. Os contadores identificam uma área específica da colônia —pode ser um agrupamento de ninhos ou uma área delineada pelos caminhos formados pela marcha dos pinguins— e contam todos os filhotes dentro da área. Para garantir a precisão, a contagem é realizada três vezes. Em Penguin Point, uma colônia grande na ilha Seymour que abriga 21,5 mil filhotes, a contagem levou dois dias.

Cada casal reprodutor geralmente produz dois filhotes por ano.

"É cansativo contar os filhotes três vezes", disse Flynn. "Mas é um lugar incrível e um trabalho incrível de se fazer."

Os pinguins-de-adélia são uma das espécies de pinguins mais numerosas encontradas na Antártida, com estimados 3,8 milhões de casais reprodutores em colônias em todo o continente. Eles usam seus bicos para colher pedras para construir ninhos em terra seca. Os filhotes são chocados por volta de novembro, no final da primavera do hemisfério sul, e os pais saem em busca de alimentos que regurgitam para dar à sua prole. Os pinguins-de-adélia da península Antártica são seletivos em relação à sua dieta —comem apenas krill, um pequeno crustáceo—, embora os de outros lugares também consumam peixes.

O krill e o gelo, ou a falta de ambos, estão à raiz dos problemas dos pinguins-de-adélia no lado ocidental da península, onde a temperatura vem subindo em parte em decorrência de padrões de circulação atmosférica que têm sua origem nos trópicos, em processo de aquecimento. O krill se sai bem em condições geladas, mas, assim como o aquecimento está levando o gelo marinho a diminuir, o krill também está menos abundante.

Isso deixa os pinguins-de-adélia sem um suprimento suficiente de alimento. "O fato de os pinguins da península serem tão seletivos em relação ao que comem os prejudica, porque os deixa muito vinculados à saúde da população de krill", disse Lynch.

As populações de pinguins-de-adélia diminuíram até 90% em partes do lado ocidental, e seu lugar está sendo tomado por pinguins-gentoos, com seus bicos de cor laranja forte. "Os pinguins-gentoos comem qualquer coisa e se reproduzem em qualquer lugar", comentou Lynch. "Penso neles como as pragas urbanas da península."

Os modelos sugerem que com o aquecimento mundial continuando, o mar de Weddell e o mar Ross, na Antártida ocidental, serão os últimos lugares a se tornarem desfavoráveis à sobrevivência dos pinguins-de-adélia.

Foi proposto que o mar de Weddell se torne uma área de proteção marinha sob os termos do Tratado Antártico, o que protegeria os pinguins e outras formas de vida do local contra atividades humanas como a pesca de krill, especialmente na medida em que a cobertura de gelo encolher devido ao aquecimento, deixando a área mais acessível. "Como cientistas, querem mapear onde está toda a biologia importante" para esse esforço, disse Lynch.

A descoberta de que as populações estão estáveis "não significa que a mudança climática não esteja acontecendo no mar de Weddell", ela disse. "Devido às condições oceanográficas, essa região permanece gelada e continua a ser exatamente o tipo de lugar do qual esses pinguins-de-adélia precisam para viver."

Tradução de Clara Allain

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