Cacique Raoni: 'Brancos viram o que aconteceu nas enchentes do RS e, agora, têm que se juntar a nós'

Liderança indígena defende que 'brancos' se unam a povos originários para combater efeitos da mudança climática

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Leandro Prazeres
BBC News Brasil

Aos 92 anos de idade, o cacique Raoni Metuktire, uma das maiores lideranças indígenas do mundo, viu as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul entre abril e maio deste ano como uma espécie de confirmação dos alertas que vem fazendo há pelo menos 40 anos.

"Parece que agora vocês ['brancos' ou não-indígenas] entenderam o que está acontecendo", disse Raoni com um semblante de tristeza à BBC News Brasil, durante entrevista concedida no dia 5 de junho, data em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente.

Raoni foi a Brasília a convite da Embaixada do Reino Unido participar de uma festa em homenagem ao aniversário do rei Charles 3º, com quem já se encontrou pessoalmente duas vezes.

Um idoso com cabelos brancos e longos, vestindo uma camisa xadrez, conversa e gesticula enquanto descansa o braço sobre uma cadeira de vime
Cacique Raoni Metuktire - Divulgação/Embaixada do Reino Unido em Brasília

Na entrevista que deu à BBC News Brasil, Raoni disse que segue atento às promessas feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos dois encontros que teve com o petista desde 2023, quando subiu a rampa do Palácio do Planalto durante a posse.

Segundo ele, Lula não estaria incentivando a destruição do meio ambiente ao contrário do que, segundo ele, aconteceu em outros governos. Ele não citou a quais outros presidentes se referia.

Raoni disse ainda que Lula teria lhe prometido que o governo não apoiaria a construção da Ferrogrão, uma ferrovia que liga a cidade de Sinop, no norte de Mato Grosso, a Itaituba, no oeste do Pará.

A obra é considerada essencial para os defensores do agronegócio por diminuir os custos de transporte de commodities agrícolas produzidas no Centro-Oeste até os portos do rio Tapajós, e está incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.

Ambientalistas e lideranças indígenas como Raoni têm se manifestado contra o projeto alegando que ele aumentaria ainda mais a pressão feita pelo agronegócio sobre áreas do cerrado e da amazônia, ameaçando a vida de populações indígenas próximas ao traçado planejado da ferrovia.

A imagem mostra um homem de terno com uma faixa presidencial ao lado de um indígena com trajes tradicionais, incluindo cocar e pinturas corporais. Ao fundo, fora de foco, está uma multidão
Raoni subiu a rampa do Palácio do Planalto durante cerimônia de posse de Lula, em 2023 - Reuters

Conhecido por sua luta pela preservação do meio ambiente, Raoni vê as enchentes no Rio Grande do Sul como uma oportunidade de união entre os "brancos" e os indígenas.

"Brancos viram o que aconteceu nas enchentes do Rio Grande do Sul e, agora, têm que se juntar a nós", disse.

Confira os principais trechos da entrevista com Raoni Metuktire.

No dia em que fazemos esta entrevista, 5 de junho, comemora-se o Dia do Meio Ambiente. Como o governo atual vem cuidando do meio ambiente, na sua opinião?

Hoje, eu não escuto mais o governo incentivando as pessoas a destruir a floresta. Antes, a gente via isso. Havia pessoas do governo incentivando as pessoas a destruir a floresta, a colocar gado onde antes havia mata, a fazer empreendimentos, fábricas e furar a terra.

Sobre isso, eu penso: as pessoas parecem querer se destruir. Elas não pensam nos filhos delas. Hoje, eu ouço esse tipo de conversa no Congresso Nacional. Por isso que eles mantêm projetos de lei que ameaçam nossos territórios. Essas pessoas estão querendo destruir tudo.

No ano passado, o senhor disse que iria pedir ao presidente Lula que não repetisse os erros do passado. O presidente Lula vem repetindo os erros do passado, na sua opinião?

Eu estou atento ao que ele me prometeu. Desde quando ele estava na campanha e até hoje, não vejo ele falando contrário aos povos indígenas. Pelo que eu vi, ele vem se manifestando a favor do nosso povo.

No ano passado, houve uma redução de 50% no desmatamento na amazônia, mas um crescimento de 43% no cerrado, que é um bioma próximo à sua comunidade, no Parque Nacional do Xingu. O que os povos do cerrado têm lhe dito? Quão preocupado o senhor está com o desmatamento no cerrado?

As pessoas ainda não chegaram em mim para me contar sobre isso. Mas acho que alguém vai chegar e falar sobre o que está acontecendo com o cerrado. Quando algo nos ameaça, eu sempre falo. Um exemplo é a Ferrogrão. Mas se as pessoas não cuidarem do cerrado, vai vir muita coisa ruim para nós.

O cerrado segura o aquecimento global. É uma espécie de protetor para nós. Ele nos protege do Sol. Se destruírem o cerrado, vai aquecer ainda mais a Terra.

O senhor mencionou a Ferrogrão e o governo Lula incluiu essa rodovia no PAC. O senhor já disse ser contra o projeto. Que recado daria ao governo sobre esse projeto?

Na verdade, eu já falei com ele [Lula] e falei que não era bom ele apoiar esse projeto porque ele ameaça os povos indígenas. Pedi para ele não apoiar e não assinar nenhum projeto contra os povos indígenas. Ele concordou e disse que não vai assinar.

O presidente Lula prometeu o quê exatamente em relação ao projeto?

Ele falou que não iria aprovar esse projeto. O [Emmanuel] Macron [presidente da França] estava junto e pediu isso também porque é um projeto que não garante o bem viver dos povos indígenas.

Como o senhor se sentiu quando viu as enchentes no Rio Grande do Sul?

No passado, eu tive uma visão de que o mundo iria mudar. Isso está acontecendo. E hoje nós vemos os nossos irmãos lá do Rio Grande do Sul sofrendo essas consequências. Eu venho tentado conscientizar a todos na terra para terem uma visão ampla sobre o mundo em que a gente vive, para que não haja consequências [pela destruição do meio ambiente], mas o resultado está aí.

O que o senhor acha que pode mudar na conduta das pessoas no Brasil após o que aconteceu no Rio Grande do Sul?

Hoje, as pessoas começaram a entender. Desde quando eu comecei a falar sobre as consequências da destruição do meio ambiente, as pessoas começaram a olhar para o que eu vinha falando e essas pessoas já estão se organizando para que não haja as mudanças climáticas.

Tem pessoas, claro, que vão continuar fazendo as mesmas coisas. Mas acho que a maioria, hoje, já entendeu que essas enchentes aconteceram por conta de tudo o que fizemos na terra. Agora, as pessoas começam a olhar.

Como o senhor avalia o argumento de que algumas pessoas só passaram a prestar atenção às mudanças climáticas no Brasil quando seus efeitos passaram a afetar o chamado "homem branco"?

Parece que vocês entenderam o que está acontecendo. Agora, na minha opinião, é momento de vocês ["brancos"] se juntarem a nós porque nós, os indígenas, crescemos vendo a natureza e queremos compartilhar isso com vocês.

Como está acontecendo tudo isso [no Rio Grande do Sul], venham se juntar a nós para que possamos ter mais força ainda para poder manter o que temos de bom nesta terra.

Muita gente está vendo as consequências e muita gente já chegou e falou que os brancos não querem mais construir coisas como a [usina hidrelétrica de] Belo Monte, que não querem mais destruir a floresta. Os brancos viram o que aconteceu nas enchentes do Rio Grande do Sul e, agora, têm que se juntar a nós.

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