Azerbaijão, sede da COP29, concentra causas e efeitos das mudanças climáticas

Pequeno petroestado que mal começou a sua transição energética tem desafio de liderar cúpula em novembro

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Max Bearak
Baku (Azerbaijão) | The New York Times

Em poucos meses, diplomatas de quase todos os países do mundo pousarão no Azerbaijão, um pequeno petroestado no mar Cáspio, situado entre a Rússia e o Irã, para discutir como evitar os perigos cada vez maiores das mudanças climáticas.

É um lugar improvável para essa discussão: fora de mão, sob regime autoritário e, principalmente, hiperdependente de combustíveis fósseis. O Azerbaijão sediará a cúpula anual sobre o clima, a chamada COP29, apenas por conta de um peculiar processo de seleção das Nações Unidas que o deixou como a última opção na mesa.

Mukhtar Babayev, amigável burocrata de médio escalão encarregado das negociações, mal poderia imaginar que assumiria um papel tão desafiador. "Não somos famosos como desenvolvedores de ideias de transição verde", disse em entrevista recentemente. "Sim, para nós é algo novo."

Babayev, 56, e sua equipe têm a tarefa quase impossível de equilibrar interesses divergentes, de petroestados, como a Arábia Saudita, até ilhas que estão afundando, como Vanuatu. É uma curva de aprendizado praticamente vertical para autoridades que reconhecem sua inexperiência na política climática global.

Pessoas em uma gôndola no que parece ser um canal artificial; ao fundo há três edifícios altos e modernos, espelhados, com formato de chamas de fogo
Turistas passeiam de gôndola em Baku, capital do Azerbaijão, com as Flame Towers ao fundo; prédios são símbolo de período próspero no país gerado por petróleo e gás - Nanna Heitmann/The New York Times

Eles também reconhecem que estão sob pressão de segmentos do próprio país que temem a transição energética global, em direção ao fim dos combustíveis fósseis. Quase todas as exportações do Azerbaijão são de petróleo e gás. Babayev passou a maior parte de sua carreira ascendendo em posições intermediárias da companhia estatal de petróleo.

E, apesar do amplo acordo para que o mundo pare de queimar combustíveis fósseis o mais rápido possível, Babayev defendeu aqueles que os produzem, especialmente o gás natural, que transformou seu país em um player mais importante no palco geopolítico nos últimos anos, à medida que a Europa se esforçava para encontrar substitutos para os suprimentos russos.

Comparado com o petróleo e o carvão, ele disse, "o gás é um recurso energético menos prejudicial à natureza". Ele também observou: "Se os países europeus são contra o gás, então por que eles solicitam mais do Azerbaijão? Por que a comissária Simson vem a Baku três, quatro vezes por ano?", referindo-se a Kadri Simson, comissária de energia da União Europeia.

De certa forma, o Azerbaijão, apesar de não ter credenciais climáticas, oferece um dos cenários mais marcantes imagináveis para uma conferência sobre o clima. Dentro de suas fronteiras, as causas e os efeitos das mudanças climáticas estão claramente visíveis, e os dolorosos compromissos necessários para combatê-las são profundamente sentidos.

À medida que o alarme sobre o aquecimento global aumenta em meio a temperaturas recorde e clima cada vez mais errático, o Azerbaijão mal começou o processo de substituição do petróleo e do gás.

O país argumentou, como muitos dos menos desenvolvidos, que as nações ricas devem desembolsar bilhões de dólares para ajudá-los a fazer a transição de suas economias, dado que os mais ricos do mundo são responsáveis, em termos históricos, pela maioria das emissões de gases de efeito estufa.

Os danos ambientais causados pela extração de combustíveis fósseis estarão à vista do estádio na capital, Baku, onde as negociações serão realizadas.

Do outro lado de um lago fedorento de enxofre, plataformas rangentes expelem poças de óleo. Dia e noite, uma refinaria ao lado queima metano, um dos gases de efeito estufa mais potentes. E, a apenas algumas milhas da costa do mar Cáspio, dezenas de plataformas de perfuração formam arquipélagos de ferrugem.

O país de 10 milhões de habitantes acabou sediando a COP29 praticamente por acaso. De acordo com a agência das Nações Unidas que patrocina a cúpula anual sobre o clima, os países anfitriões são escolhidos em um ciclo rotativo e, desta vez, era a vez de uma nação do Leste Europeu ou do Cáucaso.

Mas, como a localização deve ser acordada por consenso, a Rússia conseguiu vetar a maioria dos candidatos, vendo-os como hostis à sua invasão da Ucrânia. Por fim, o Azerbaijão foi o único país restante.

Retrato de Mukhtar Babayev
O ministro de Ecologia do Azerbaijão e presidente da COP29, Mukhtar Babayev, durante visita a Berlim em abril - John MacDougall - 25.abr.2024/AFP

O fato de o Azerbaijão sediar a COP29 causou apreensão para alguns ativistas climáticos. Em primeiro lugar, o obstrucionismo da Rússia deixou o Azerbaijão com pouco tempo para se preparar. Mas, mais preocupante, é o segundo ano consecutivo que um petroestado sedia as negociações.

A cúpula do ano passado em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, foi presidida por Sultan al-Jaber, que chefia a Abu Dhabi National Oil Co.. Al-Jaber conseguiu aprovar um documento final da reunião no qual todos os países se comprometerem a se afastar do uso de combustíveis fósseis até meados do século.

Mas também fez alusão ao papel do gás como um "combustível de transição", ainda que os cientistas climáticos alertem que o mundo não pode se dar ao luxo de investir em novas produções de gás se quiser limitar o aquecimento global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Esse objetivo, dizem os pesquisadores, é necessário para evitar mudanças catastróficas nos sistemas naturais da Terra.

O gás —de queima mais limpa do que o carvão ou o petróleo, mas que libera principalmente metano, que pode vazar e causar picos de curto prazo no efeito estufa— tem sido promovido por muitos países como uma fonte de energia provisória enquanto as economias se adaptam às energias renováveis e os Estados petrolíferos encontram outros produtos para exportar.

Babayev frequentemente se refere à sabedoria do presidente autoritário do Azerbaijão, Ilham Aliyev, que governa o país desde que assumiu o cargo de seu pai, Heydar Aliyev, em 2003. Desde que o Azerbaijão conquistou independência com a dissolução da União Soviética, a família Aliyev consolidou poder, riqueza e apoio, impulsionada pela receita de combustíveis fósseis. Baku agora reluz com arranha-céus de vidro pertencentes à sua família e seus associados.

Em toda a região, Babayev diz, agora se veem "estradas, eletricidade fornecida a 100% da população, gás e água para quase todas as casas".

"Agora o governo pode pensar, 'OK, petróleo e gás são bons, mas vamos olhar para o futuro'", diz ele.

O governo de Aliyev afirma que o futuro é investir em energia renovável no país, juntamente com o aumento das exportações de gás.

Babayev e sua equipe enfrentarão grandes expectativas na cúpula em novembro. O mundo ainda está a caminho de um aquecimento de bem mais de 2°C.

E, neste ano, a COP29 acontecerá logo após as eleições nos EUA. O ex-presidente Donald Trump prometeu reverter leis que promovem energia limpa e aumentar a perfuração de combustíveis fósseis.

A possibilidade de sua vitória paira sobre os preparativos da cúpula. Quando Trump foi presidente, de 2016 a 2020, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, principal pacto no âmbito da ONU para combater as mudanças climáticas.

Para o Azerbaijão e Babayev, a COP29 também representa uma chance de consolidar uma transformação em construção há décadas, que custou a seu país milhares de vidas em guerra e anos de subdesenvolvimento. Ele ainda está um pouco chocado por ter esse papel.

"Se você me perguntar, Mukhtar Babayev, ministro da ecologia, se eu estava pronto para avançar com essa agenda, ser tão popular? Não. Eu não gosto disso", disse ele. "Mas entendo que temos que fazer isso."

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