Descrição de chapéu
Planeta em Transe COP28

COP28 pariu um rato

A carta de Dubai apenas 'convida' os governos a fazer a transição; é o termo mais fraco em 'climatês'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Houve alguns avanços na 28ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a tão aguardada COP28 em Dubai. Poucos e significativos, mas insuficientes diante das agruras que o aquecimento global já inflige às populações pobres —e muito mais virá pela frente.

O primeiro progresso se deu logo no primeiro dia: concretizou-se o fundo de perdas e danos, destinado a auxiliar na recuperação de regiões vulneráveis quando devastadas por elevação do nível do mar, incêndios florestais, secas, enchentes e ondas de calor mortíferas.

Mas o que são US$ 800 milhões, soma total de valores prometidos, quando nações insulares inteiras como Tuvalu, Tonga e Kiribati correm o risco de submergir nas águas do Pacífico?

Isso mal dá para socorrer as vítimas de desastres climáticos em apenas um ano como 2023, o mais quente em 125 milênios. Cabe recordar que os países desenvolvidos jamais cumpriram a promessa de destinar US$ 100 bilhões anuais para mitigação do aquecimento e adaptação das nações mais pobres à mudança do clima.

Combustíveis fósseis estiveram no ponto nevrálgico do documento final acordado nos Emirados Árabes Unidos —um petroestado, cabe assinalar. Nunca tantos lobistas do petróleo, 2.456, compareceram a uma COP, sinal de que temiam pelo pior, de sua perspectiva: uma convocação para os 197 países signatários do Acordo de Paris (2015) eliminarem produção e queima dos fósseis.

De certo modo, venceram. Não há compromisso real que possa ser legalmente exigido de quem polui a atmosfera com gases do efeito estufa.

Jaber de perfil
O presidente da COP28, Sultan Ahmed al-Jaber, na sessão plenária de encerramento do evento nesta quarta (13) em Dubai - Giuseppe Cacace/AFP

Numa das versões do documento ainda se mencionava eliminação gradual de petróleo, gás natural e carvão, mas só da queima que não fosse compensada por retirada de carbono da atmosfera, algo muito duvidoso. Agora, o texto final fala meramente em "transicionar".

Literalmente: "Transicionar dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia, de maneira justa, ordenada e equitativa". O objetivo adotado seria "alcançar o zero líquido até 2050, de acordo com a ciência".

Como anotou Leo Hickman, editor do boletim Carbon Brief, a carta de Dubai apenas "convida" ("calls on", em inglês) os governos a fazer a transição. É o termo mais fraco em "climatês", idioma diluidor formatado em três décadas de negociações sobre mudança climática.

Outro calcanhar de Aquiles está na fantasiosa neutralidade de carbono, o tal "net zero". Como o planeta está atrasado no corte das emissões de carbono, será imprescindível recorrer a emissões negativas, ou seja, retirar da atmosfera algum dióxido de carbono.

Com essa pedalada, quem tem jazidas de fósseis fará de tudo para acelerar a exploração. Sai barato apostar na perspectiva duvidosa de compensá-las.

Falar em "acelerar a ação nesta década crítica" é simples, complicado é obter consenso em torno de metas escalonadas no tempo para alcançar o objetivo. No compasso atual, em que emissões seguem em alta, o mundo "transiciona", mesmo, a um acréscimo de 2,5°C a 3°C na temperatura média da atmosfera, "para longe" do compactuado em Paris há oito anos: 1,5°C de aquecimento.

Sim, houve avanço em reconhecer, pela primeira vez no modorrento processo da ONU, que os combustíveis fósseis são o problema central e que será preciso livrar-se deles. Sim, houve avanço em adotar um fundo para perdas e danos.

Assim, de pouco em pouco, de onda de calor em onda de calor, de incêndio em incêndio, de seca em seca, até o fim do século estaremos todos fritos.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.