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Parlamentares querem 'estrada-parque' em área com bichos ameaçados no Iguaçu

Unesco se mostra preocupada com possibilidade de nova classificação

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Foz do Iguaçu

Dois projetos de lei em tramitação no Congresso propõem uma nova categoria de unidade de conservação no Brasil: a estrada-parque. Ambos querem que a primeira experiência do tipo seja a estrada Caminho do Colono, que atravessa o Parque Nacional do Iguaçu, no estado do Paraná, numa área onde vivem onças-pintadas e outras espécies ameaçadas.

O parque já existe como unidade de conservação desde 1939. Na prática, a alteração derivada dos textos provocaria a reabertura da estrada PR-495, criada na década de 1950 e cujo fechamento foi determinado pela Justiça em 1986. A decisão foi mantida pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e permanece válida.

Área conhecida como Caminho do Colono, que atravessa o Parque Nacional do Iguaçu - Marcos Labanca

Na última semana, a Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados aprovou o PL 984/19, do deputado Vermelho (PSD/PR), que propõe a estrada-parque e segue agora para Comissão de Meio Ambiente. 

No início de abril, o senador Álvaro Dias (Podemos/PR) conseguiu desarquivar projeto semelhante, tramitado na Câmara em 2013. O senador disse à Folha que a tramitação avançada é uma vantagem. 

Já o deputado Vermelho defende que a aprovação da sua versão seria mais viável porque o texto é mais simples, deixando “as condicionantes da estrada para serem regulamentadas em um segundo momento, após a aprovação do projeto, junto à sociedade e aos órgãos ambientais”.

A mobilização de políticos paranaenses responde a pleitos de prefeitos, moradores e cooperativas da região do sudoeste paranaense, que vêm defendendo há três décadas a reabertura da estrada. Ela facilitaria o tráfego de veículos de passeio e também o escoamento da produção de soja, milho, trigo e leite.

O trajeto de 100 km por dentro do parque ligava os municípios de Serranópolis a Capanema. Hoje, essa distância pelas rodovias que contornam a área protegida é de 179 km.

A Folha sobrevoou a área, percorrendo de helicóptero o mesmo trajeto da antiga estrada, mas encontrou poucos rastros de rota aberta.

O único ponto em que o desenho da estrada pode ser percebido —como uma pequena cicatriz em meio à mata fechada— fica no início do parque, na divisa com Serranópolis.

Na metade do trajeto, o piloto do helicóptero e o guia local chegaram a discutir. “Perdemos a estrada”, disse o guia. “Não, nós estamos em cima dela, é o que aponta o GPS”, respondeu o piloto.

O caminho havia sido invadido pela última vez em 2003 e, de lá para cá, a regeneração natural levou ao fechamento da mata, que fica na zona primitiva do parque e cujo acesso é permitido apenas para fins de pesquisa científica.

O senador Álvaro Dias admitiu que “o avanço da relva (sic) pode dificultar o projeto. O ministro do Meio Ambiente também me alertou sobre isso. Não sei se terei o apoio dele, mas ele demonstrou ter conhecimento da situação”.

Já para o deputado Vermelho, o desmatamento como resultado da reabertura da estrada não deveria causar preocupação. “Anote aí: isso é o mesmo que tirar R$ 35,80 de uma conta com R$ 1 milhão de reais”, disse à Folha, em referência à proporção entre os territórios da estrada e do parque.

Juntos, os parques nacionais do Iguaçu, no Brasil, e do Iguazú, na Argentina, somam 600 mil hectares e formam a maior área protegida contínua no centro-sul do continente. Eles abrigam espécies vulneráveis ou ameaçadas de extinção, como a peroba-rosa, o jacaré-de-papo-amarelo, o puma e a onça-pintada.

O território amplo e a presença significativa de presas potenciais fazem com que o parque seja um dos poucos habitats adequados para a onça e considerado de “altíssima relevância para a conservação do felino”, segundo a bióloga Fernanda Abra.

Especialista em ecologia de estradas, ela lista os riscos da reabertura da estrada para a população de onças do parque, que abriga pelo menos 22 indivíduos: perda de habitat, caça por retaliação ou por troféu, diminuição expressiva de suas presas e atropelamentos.

“Criar a categoria de estrada-parque não seria um problema; o problema é criá-la para legitimar a abertura de uma estrada que rasga um parque nacional”, disse à Folha o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que preside a Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Segundo ele, “a comissão deve ficar atenta à estratégia do projeto”. 

Entre os moradores da região, a percepção se divide entre o receio da criação de uma rota de tráfico nos seus municípios, já que a mata fechada está próxima das fronteiras com a Argentina o Paraguai, e a defesa da antiga rota, cujo fechamento teria trazido prejuízos econômicos para a região. 

No entanto, os municípios do entorno do parque contam com um benefício tributário. As cidades de Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu, Serranópolis, Matelândia, Céu Azul e Capanema recebem cerca 5% do ICMS do estado do Paraná como incentivo por abrigarem o Parque Nacional do Iguaçu. Em 2017, o chamado ICMS ecológico rendeu aos seis municípios um total de R$ 20,5 milhões.

O impacto econômico do turismo na região foi estimado por um estudo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 2017. O cálculo apontou que a visitação ao parque gera uma economia anual de R$ 46 milhões.

Segundo informações do Instituto Ambiental do Paraná, órgão do governo estadual responsável pela repartição dos recursos do ICMS ecológico, o tamanho das áreas protegidas é um dos fatores de cálculo para distribuição do ICMS ecológico, além de relevância da área e grau de investimentos em conservação. 

Não está claro, no entanto, se a abertura da estrada será calculada como redução da área protegida, já que oficialmente a estrada-parque também seria uma unidade de conservação e não uma área desafetada do parque.

A possível reabertura da estrada preocupa a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que reconhece as Cataratas do Iguaçu como um dos patrimônios naturais da humanidade. Entre 1999 e 2001, a reabertura ilegal da estrada do Colono levou à classificação das Cataratas como “patrimônio em perigo”.

Em 2014, um relatório da Unesco voltou a expressar preocupação com a possível reabertura da estrada e lembrou que “a conservação da biodiversidade na mata atlântica é uma prioridade global e razão principal para a inclusão da região na lista de patrimônios da humanidade, para além das impressionantes cataratas”. 

O documento ainda expressa preocupação com a possibilidade de uma nova legislação sobre estradas-parque legitimar a abertura de estradas em outras unidades de conservação do país.

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