Siga a folha

Descrição de chapéu Planeta em Transe desmatamento

Cerrado, com recorde de desmatamento, pode alterar regime de água no país

Sistema Deter, do Inpe, registra alta em abril, antes de temporada crítica para o bioma

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

O cerrado perdeu 782 km² de vegetação em abril deste ano. No acumulado desde janeiro, o número vai a 2.206 km², área aproximada à de Palmas, capital do Tocantins, segundo dados divulgados nesta sexta (12) pelo sistema Deter.

A alta de desmatamento na savana mais biodiversa do mundo já havia sido apontada em dados parciais do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para o mês de abril.

Na Amazônia, houve uma queda em relação a abril do ano passado, com 329 km² derrubados na floresta. O número é a terceira marca mais baixa de alertas para o mês desde o início da série histórica, em 2015.

Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que o cerrado sofre com terras públicas sem destinação, tem menos áreas conservadas do que a Amazônia e pode ser afetado por regulações da União Europeia que se concentram na floresta tropical.

Área desmatada em Nova Xavantina (MT), nos limites entre Amazônia e cerrado - Amanda Perobelli - 26.jan.23/Reuters

Ainda, a interação do cerrado com a Amazônia tem papel fundamental no regime de chuvas e no abastecimento de corpos hídricos do país. As reservas legais no bioma variam de 20% a 35%, quase inversas às da Amazônia, com 80% protegidos por lei nas propriedades rurais.

Os próximos meses serão um desafio para o combate à derrubada, facilitada pelo tempo seco e pela falta de chuvas —não à toa, estão nesse período os picos da série histórica do Deter, iniciada em 2019 no cerrado.

O sistema mapeia e emite alertas de desmate para orientar ações do Ibama e outros órgãos de fiscalização. Os resultados representam uma indicação, mas não são o dado fechado do desmatamento, que é publicado pelo Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), também do Inpe.

O principal alerta do Deter, para especialistas, é o de urgência na região, que deve ser analisada em conjunto com o bioma vizinho. "Há uma ênfase histórica, e justificada, na Amazônia, mas há uma ligação bastante grande entre o que acontece na floresta e no cerrado", diz Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

Um deles é regulatório. "O cerrado só tem 7% de sua área protegida legalmente. Na Amazônia, o conjunto de unidades de conservação, reservas extrativistas e terras indígenas, entre outros, chega a 50%", conta Moutinho. "Ainda, não há destinação para 2,5 milhões de hectares de terras públicas, que vêm sendo griladas numa velocidade bastante grande."

Segundo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, as autuações por desmatamento cresceram 287% de janeiro a abril deste ano na Amazônia, em comparação com o mesmo período do ano passado. O aumento no cerrado, somado a outros biomas, foi de 169%.

O governo prevê começar em julho a atualização do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado. Seu par para a Amazônia, o chamado PPCDAm, está em fase de análise das contribuições recebidas em consulta pública.

Yuri Salmona, diretor-executivo do Instituto Cerrados, chama a atenção para outro fator que impulsiona o desmate do cerrado: a própria legislação internacional, como a aprovada pelo parlamento europeu, leva a uma migração do desmatamento na região.

Isso ocorre porque há restrições para a compra de produtos originados em áreas desmatadas ou que não sigam regras de controle da cadeia produtiva. O cerrado, no entanto, está de fora da legislação da União Europeia.

Para Salmona, o ideal seria que o desmatamento no cerrado não passasse de um teto, e que se pudesse equilibrar a produção agropecuária com a preservação da vegetação.

"Temos mais de 30 milhões de hectares de pastagens subutilizadas, às vezes com uma cabeça de gado por hectare. Para que desmatar se continuamos com manejo ruim e baixa tecnologia?", diz.

A região de intensa atividade agropecuária conhecida como Matopiba (nome formado pelas siglas de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) liderou a expansão do desmatamento no cerrado em 2022, e já mostra efeitos na produção.

"A retirada do cerrado, combinada a um efeito de mudança climática global, já causou uma perda de 30% da produtividade da soja, porque o ótimo climático foi deslocado geograficamente", diz Moutinho.

O ótimo climático é a faixa de temperatura favorável à soja, que varia entre 20°C e 30°C, com a temperatura ideal em torno dos 25°C.

Para a pesquisadora Isabel Figueiredo, do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), há um problema estrutural que faz a Bahia liderar o índice de derrubada, concentrado nas autorizações de supressão de vegetação nativa —o desmate legal.

"Há conivência do governo do estado, na figura do Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), que dá autorização de supressão de vegetação sem observar os critérios necessários", afirma Figueiredo, coordenadora do programa para cerrado e caatinga do ISPN.

Entre as irregularidades citadas por ela estão dificuldades de acesso a documentos administrativos das autorizações.

A pesquisadora afirma ainda que o governo estadual demora a resolver conflitos agrários para regularizar a posse de comunidades tradicionais, como as de fundo e fecho de pasto, cujo marco temporal deve ser julgado na próxima quarta (17) no Supremo Tribunal Federal.

A Folha procurou o governo da Bahia para comentar os apontamentos, mas não houve resposta.

Outro problema é a redução da vazão de rios do cerrado. Estudo do Instituto Cerrados, em parceria com o ISPN, aponta que 88% de 81 bacias hidrográficas do bioma já tiveram redução de vazão causada pelo desmatamento entre 1985 e 2022.

A projeção indica que o cerrado pode perder 34% da vazão nas suas bacias nos próximos 28 anos. Em 2050, essa redução deve chegar a 23,6 mil metros cúbicos de água por segundo, o equivalente a oito vezes o volume de água que corre pelo rio Nilo.

Salmona destaca que diversos rios que alimentam bacias na Amazônia nascem na região do cerrado, como o Tocantins e o Xingu. Essa água, junto com a evapotranspiração da floresta, ajuda a formar os rios voadores, corredores de umidade que levarão chuva a outros locais do país. Além disso, o cerrado guarda 8 das 12 maiores bacias do país.

"Do ponto de vista hidrológico e de outros, é preciso falar no binômio cerrado-Amazônia. São como pernas de um corpo", resume.

Para o Greenpeace, a baixa de 68% no desmatamento da Amazônia em relação a abril do ano passado pode estar relacionada a uma maior cobertura de nuvens (que prejudicam as imagens de satélite) e ações de combate a garimpo e extração ilegal de madeira. O acumulado, no entanto, segue alto, se considerado o período de agosto —mês em que o ano começa para o Deter— a abril.

"É o maior da série histórica iniciada em 2015, registrando 5.977 km² de alertas de desmatamento", diz Rômulo Batista, porta-voz da organização no Brasil para a Amazônia.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas