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O que dizem os cientistas que defendem os cortes na pesquisa do país

Pesquisador diz que sacrifícios são necessários diante do atual cenário econômico

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São Paulo e São Carlos (SP)

Um grupo de professores e pesquisadores preferiu ficar bem longe das ruas nesta quarta-feira (15), dia em que protestos ocorrem por todos o país contra cortes na ciência e na educação. Eles, que dizem minoritários, afirmam que o contingenciamento é necessário para reorganizar as finanças e atingir as metas fiscais do governo e também defendem melhor eficiência no uso dos recursos. 

“O país vem passando por uma crise econômica importante. Infelizmente, sacríficos precisam ser feitos para reorganizar os recursos. E o contingenciamento, que não é um corte absoluto, pode ser revertido. Não fico feliz que ele incida sobre ensino, pesquisa e extensão, mas o vejo como necessário para que o governo retome os investimentos no futuro”, diz Ricardo Moreno Lima, professor de educação física e pesquisador de fisiologia do exercício na UnB (Universidade de Brasília).

Lima faz analogia semelhante à do ministro-chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, que comparou o contingenciamento na educação à economia de uma família que precisa comprar um vestido para a festa de 15 anos da filha.

“Um pai que perde o emprego vai manter o filho nas aulas de inglês, espanhol, natação e judô? Acredito que ele tenha que fazer um corte, e claro que não fica feliz ao ver o filho nessa situação”, diz Lima.

Ricardo Costa, pesquisador de história da arte na Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e assessor no MEC, segue na mesma linha. “O rombo é enorme, a economia parou de crescer. Estamos reféns da aprovação da reforma da Previdência. Se ela passar, os recursos poderão voltar.”

Costa relata que 70% das bolsas de pesquisa do programa de pós-graduação do qual participava na Ufes podem ser cortadas caso a nota do programa na Capes (agência de fomento ligada ao MEC que avalia a pós-graduação no país) não melhore na próxima avaliação.

Segundo ele, o efeito do congelamento de verbas nas pesquisas em andamento em sua área é menor, mas em outras, como biologia e medicina o impacto é imediato.

Convidado no início do ano para ser cedido ao MEC e virar assessor especial do ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez, Costa passou a ser assessor na gestão Abraham Weintraub com a mudança na chefia da pasta.

Ele aponta que o governo tem dificuldade em lidar com a pressão da imprensa e explicar os motivos dos contingenciamentos. Ricardo Moreno Lima, da UnB, diz que o presidente Jair Bolsonaro foi infeliz ao chamar os manifestantes de imbecis e idiotas úteis, mas defende o presidente como a melhor escolha na eleição presidencial de 2018 dentre as opções existentes. 

Para Luis Fabiano Farias Borges, analista de ciência e tecnologia da Fundação Capes, falta eficiência nos gastos em educação. Ele afirma que há um contraste considerável entre o baixo impacto da ciência brasileira e o de países que investem proporção similar ou inferior de seu PIB (Produto Interno Bruto) em pesquisa, como o Chile ou a Estônia.

Tal como o Brasil, a Estônia despendeu 1,3% de seu PIB na área em 2016. No entanto, nesse mesmo ano, os artigos publicados pelos pesquisadores desse país da Europa Oriental ocuparam o quinto lugar entre os mais citados (portanto, mais influentes), em média, no mundo. Já o impacto médio dos estudos brasileiros ficou em torno de 40% do dos estonianos.

“O Chile, gastando 0,4% de seu PIB com pesquisa e desenvolvimento, também tem conseguido um impacto superior ao brasileiro em suas pesquisas. Isso sugere que a eficiência econômica do gasto no Brasil está aquém do desejado.”

Em sua opinião, o problema é estrutural e só poderá ser resolvido a longo prazo, com mudanças profundas na maneira como funciona o orçamento da área no país.

Já o físico Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), diz que é preciso considerar que o impacto da ciência feita no Brasil não se mede apenas pelas citações de artigos científicos nacionais em periódicos especializados, mas também pelos reflexos positivos na economia e na sociedade.

“Por um lado, de fato, nós precisamos aumentar os nossos índices de cooperação internacional, o que faz muita diferença na questão do impacto. Também temos um certo problema de foco e de governança nas agências de fomento e nos sistemas de avaliação, que não podem apenas incentivar a produção de ‘papers’ [artigos científicos] como um fim em si mesma.”

Moreira diz ainda que é um erro esperar que as universidades públicas sejam exclusivamente responsáveis tanto pela ciência básica quanto pela inovação tecnológica – esse segundo elemento também depende do interesse e dos investimentos do setor produtivo.

“Agora, isso não significa que esse impacto econômico esteja ausente do que a ciência brasileira produziu até hoje, muito pelo contrário. Já fizemos algumas apostas importantes na geração de conhecimento, lá atrás, que se transformaram em crescimento econômico. Foi o que aconteceu com a adaptação da soja ao cerrado, por exemplo – a Embrapa já demonstrou que cada R$ 1 investido na pesquisa agropecuária no Brasil se reverte em R$ 12 para a sociedade. O mesmo vale para as pesquisas sobre tecnologias de petróleo e gás, que nos renderam o pré-sal, ou para pesquisas na área da saúde.”

O risco, para o físico, é que essas possibilidades sejam destruídas por cortes de verba draconianos demais. “O problema é que o país vive de espasmos nessa área. E agora parece que se deseja desmontar algo que foi construído ao longo de décadas.”

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