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Descrição de chapéu The New York Times

Queda recente de asteroide serve de teste para sistema que pode salvar a Terra; entenda

Episódio que ocorreu há poucos dias mostra que tecnologia da Nasa funciona para detectar objetos perigosos

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Robin George Andrews
The New York Times

Os filmes que imaginam um asteroide ou um cometa colidindo catastroficamente com a Terra sempre incluem uma cena imprescindível: um astrônomo solitário vê a rocha espacial errante vindo em nossa direção em alta velocidade, gerando pânico e criando um clima crescente de pavor existencial quando o pesquisador transmite a notícia ao mundo.

Em 11 de março deste ano, a vida começou a imitar a arte. Naquela noite, na estação Monte Piszkéstető do Observatório Konkoly, perto de Budapeste, Krisztián Sárneczky estava olhando as estrelas. Insatisfeito com os 63 asteroides que se aproximavam da Terra que ele descobrira ao longo de sua vida profissional, Sárneczky queria descobrir o 64º. E conseguiu.

À primeira vista, o objeto que ele viu parecia normal. "Não estava se movendo muito rápido", disse Sárneczky. "Não era mais brilhante que o usual." Meia hora mais tarde, porém, ele notou que "o movimento dele estava mais rápido. Foi quando me dei conta que ele se aproximava rapidamente de nós."

Uma ilustração da nave espacial Dart se aproximando de dois asteroides - John Hopkins APL/Steve Gribben/Nasa

Pode soar como o início de um filme melodramático de catástrofe, mas o asteroide media menos de dois metros —ou seja, era insignificante e inofensivo. E Sárneczky vibrou.

"Sonhei muitas vezes em fazer uma descoberta como essa, mas parecia impossível", explicou.

Não apenas ele havia visto um novo asteroide, como o detectara pouco antes de ele atingir o planeta Terra. Foi apenas a quinta vez que uma descoberta como essa foi feita.

O objeto, que seria batizado mais tarde de 2022 EB5, pode ter sido inofensivo, mas acabou sendo um bom teste de ferramentas construídas pela Nasa para defender nosso planeta e seus habitantes de uma colisão com uma rocha espacial que constitua um perigo maior.

Um desses sistemas, Scout, é um software que emprega observações feitas por astrônomos de objetos que se movimentam perto da Terra e calcula aproximadamente onde e quando pode ocorrer seu impacto com nosso planeta. Em menos de uma hora depois de detectar o 2022 EB5, Sárneczky havia compartilhado seus dados, e eles estavam sendo analisados rapidamente pelo Scout.

O 2022 EB5 ia colidir com a Terra apenas duas horas depois de ser descoberto, mas mesmo assim o software conseguiu calcular que ele entraria na atmosfera ao largo da costa leste da Groenlândia. E foi exatamente o que ele fez às 5h23 locais do dia 11 de março, explodindo no ar.

"Foi uma hora e meia maravilhosa da minha vida", disse Sárneczky.

O EB5 foi pequeno, mas um asteroide não precisa ser muitíssimo maior que ele para ser um perigo. Por exemplo, a rocha de 16,7 metros que explodiu em 2013 sobre a cidade russa de Cheliabinsk desencadeou uma explosão equivalente a 470 quilotoneladas de TNT, despedaçando milhares de vidraças e ferindo 1.200 pessoas.

O fato de o software Scout ser capaz de mapear com precisão a trajetória de um asteroide muito menor é tranquilizador, em alguma medida. Se o asteroide em questão for detectado em tempo suficiente, uma cidade que vai enfrentar uma rocha espacial como a de Cheliabinsk poderá pelo menos receber algum aviso prévio do perigo.

Normalmente são necessários alguns dias de observações para confirmar a existência e a identidade de um novo asteroide. Mas, se for determinado que esse objeto é uma rocha espacial pequena, mas perigosa, que está prestes a se chocar com a Terra, a decisão de aguardar pelos dados adicionais pode ter consequências desastrosas.

Imagem de um asteroide de 1,1 km de diâmetro feita em 2013 pelo equipamento Wise, da Nasa, que na época analisava se o objeto levava algum perigo para a Terra - AFP/NASA/JPL-Caltech

"Foi por isso mesmo que desenvolvemos o Scout", disse Davide Farnocchia, engenheiro do Laboratório de Propulsão a Jato que desenvolveu o programa, lançado em 2017.

O Scout examina constantemente os dados postados pelo Minor Planet Center, um repositório de dados em Cambridge, Massachusetts, que toma nota das descobertas e posições de pequenos objetos espaciais. O software então "procura calcular se alguma coisa está vindo em direção à Terra", disse Farnocchia.

O fato de Sárneczky ter sido o primeiro a detectar o 2022 EB5 foi uma questão de habilidade e também sorte: Sárneczky é um experiente caçador de asteroides que, por um acaso feliz, estava no lugar certo do mundo para poder ver o objeto em seu trajeto rumo à Terra. E sua eficiência permitiu que o Scout entrasse em ação.

Em questão de uma hora depois de fazer suas observações, Sárneczky processou suas imagens, confirmou as coordenadas do objeto e enviou tudo para o Minor Planet Center.

Usando 14 observações feitas em 40 minutos por um único astrônomo, o Scout previu corretamente o horário e local do encontro do 2022 EB5 com a atmosfera da Terra. Ninguém estava presente para ver, mas um satélite meteorológico registrou seu momento final: uma chama efêmera que desapareceu rapidamente na noite.

Não é a primeira previsão acertada feita pelo Scout. Em 2018, outro asteroide minúsculo que se dirigia para a Terra foi descoberto, 8,5 horas antes do impacto. O Scout mapeou sua trajetória corretamente, o que foi de grande utilidade para caçadores de meteoritos que encontraram duas dúzias de fragmentos remanescentes na Reserva de Caça do Kalahari Central, cheia de leões, no Botsuana.

Isso não será possível para o 2022 EB5.

"Infelizmente ele caiu no mar ao norte da Islândia, de modo que não vamos conseguir recuperar os meteoritos", disse Paul Chodas, diretor do centro de estudos de objetos próximos à Terra do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa.

O fato de o Scout continuar a comprovar seu valor é bem-vindo. Mas não será de grande ajuda se esse programa ou outros sistemas da Nasa para o monitoramento de objetos próximos à Terra identificarem um asteroide muito maior que se encaminha em nossa direção, isso porque a Terra atualmente não possui meios de se proteger.

Há um esforço global sendo feito para mudar essa situação. Cientistas estudam como armas nucleares poderiam desviar ou aniquilar rochas espaciais que representassem um perigo.

E ainda neste ano o Teste de Redirecionamento Duplo de Asteroides, uma missão espacial da Nasa, vai colidir com um asteroide numa tentativa de alterar sua órbita. Será um ensaio prático para o dia em que precisarmos desviar um asteroide da Terra para valer.

Mas esses esforços serão inúteis se desconhecermos a localização exata de asteroides potencialmente perigosos. E ainda há muitas incógnitas demais no que diz respeito a isso.

Embora cientistas desconfiem que a maioria dos asteroides próximos da Terra que são grandes o suficiente para causar devastação global já tenha sido identificada, ainda é possível que alguns estejam escondidos atrás do Sol.

Mais preocupantes são os asteroides próximos à Terra com diâmetro aproximado de 140 metros, dos quais há dezenas de milhares. Eles são capazes de criar explosões que podem achatar cidades, "maiores que qualquer teste nuclear já realizado", disse Megan Bruck Syal, pesquisadora de defesa planetária no Laboratório Nacional Lawrence Livermore. E astrônomos estimam que até agora descobriram cerca de metade deles.

Mesmo um asteroide com diâmetro de apenas 50 metros que se chocasse com a Terra seria "péssimo", disse Bruck Syal.

Uma rocha desse tipo explodiu sobre a Sibéria em 1908, achatando 2.000 km2 de floresta. "É mil vezes mais energia que a explosão de Hiroshima", disse a pesquisadora. E é possível que apenas 9% dos objetos mais ou menos dessa dimensão próximos da Terra já tenham sido detectados.

Felizmente, nos próximos anos dois telescópios novos devem começar a ajudar nessa tarefa: o gigantesco Observatório Ótico Vera C. Rubin, no Chile, e o observatório infravermelho Near-Earth Object Surveyor, situado no espaço.

Ambos têm sensibilidade suficiente para potencialmente localizar até 90% daqueles asteroides de 140 metros ou mais, capazes de achatar cidades. "Por melhores que sejam nossas capacidades agora, precisamos realmente desses instrumentos de próxima geração", disse Chodas.

Tradução de Clara Allain

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