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Jornalista e quadrinista, é ombudsman da Folha. Já foi secretária-assistente de Redação, editora de Diversidade e editora-adjunta de Especiais e Ilustrada.

Pegadinhas da verborreia presidencial

Falas sobre "corintiano" e cortes no Orçamento recheiam semana tumultuada

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Se o cara for corintiano, tudo bem. Mas e se o cara for o presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Ele pode fazer um comentário elíptico e jocoso no meio de um discurso para condenar a violência doméstica?

A semana conturbada que começou com um atentado contra Donald Trump, ao qual se seguiu uma avalanche de teorias conspiratórias e desinformação, e termina ainda no rescaldo do estrago de um apagão cibernético teve, no Brasil, o recheio adicional do declaratório polêmico de Lula.

Foi um strike concentrado na terça-feira (16). Numa entrevista dada à TV Record e vazada ao mercado antes de sua publicação, o presidente voltava a colocar em dúvida cortes para este ano.

Na tarde do mesmo dia, num evento no Planalto "para anúncios referentes ao setor da indústria de alimentos", foi elogiar a presença de mulheres no encontro ("Eu nunca fiz uma reunião com tantas mulheres aqui dentro") e emendou considerações sobre violência doméstica. "Hoje eu fiquei sabendo uma notícia triste. Tem pesquisa, Haddad, que mostra que depois de um jogo de futebol aumenta a violência contra a mulher. Inacreditável. Se o cara é corintiano, tudo bem, como eu. Mas eu não fico nervoso quando perde, eu lamento profundamente", disse Lula.

Ilustração de Carvall para ombudsman de 21 de julho de 2024 - Folhapress

Uma parte dos leitores foi para cima do jornal. A acusação era de que a Folha estaria tirando a frase do contexto e que o destaque dado ao assunto era desproporcional à sua relevância. O próprio presidente acusou "a imprensa" de fazê-lo. Outra parte dos leitores também foi para cima do jornal. Para essa outra parcela, a gafe não estava sendo mostrada com destaque suficiente.

A maior parte da imprensa, na realidade, só percebeu algo estranho na frase de Lula depois de o próprio presidente fazer autopenitência pública.

Dos sites de notícias, apenas o G1 e o Poder360 haviam visto na piada algo que merecia registro logo após o evento. A Folha estava no pelotão que noticiou a frase do proverbial corintiano no dia seguinte, a bordo das repercussões.

No texto do jornal, as aspas de Lula já vinham acompanhadas da nota emitida pelo Planalto sobre o episódio: "Em nenhum momento o presidente Lula endossa ou endossou a violência contra as mulheres. O respeito às mulheres é valor inegociável em todas as esferas do governo federal, e, desde o início de 2023, a atual gestão tem atuado de forma sistemática para ampliar continuamente as oportunidades e a proteção para este público".

O movimento que levou o Planalto e o presidente, pessoalmente, a recuperar o caso e dar a ele ainda mais holofotes, porém, não ficou claro para quem lê a Folha.

Foram as redes sociais a pressioná-lo a pedir desculpas? Ele se arrependeu? Foram comentários de correligionárias?

Só o G1 juntava lé com cré ao noticiar que, no dia seguinte, o petista citava "alerta de Janja" e dizia que decidira "ler discurso em evento sobre pessoas com deficiência para não 'criar problema'" logo na sequência da fala do corintiano.

Essa declaração, na Folha, ficou totalmente apartada do burburinho relacionado à fala sobre violência doméstica, percebido apenas mais tarde.

Mesmo com esse atraso, a Folha foi o único dos grandes jornais físicos de circulação nacional a promover o assunto em sua capa, na quinta (18). Pareceu, aí sim, um destaque algo exagerado para (mais uma) declaração desastrada.

A impressão de exagero também pode decorrer do fato de aquele ter sido o segundo dia consecutivo em que a primeira página repetia o declaratório hipertensivo de Lula.

Pouco antes de o governo divulgar o congelamento de R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano, chamada na capa da Folha de quarta-feira estampava Lula dizendo que ainda precisava ser convencido sobre corte de gastos em 2024. Mais uma vez, a fala havia reverberado, mas num ambiente mais hostil ao governo: o mercado.

Era uma espécie de repique da dinâmica que se tornou rotineira quando o Planalto avaliou que valia a pena antagonizar com o Banco Central na questão dos juros (e que parece ter ganhado trégua com as férias de Roberto Campos Neto). Há algo teatral e repetitivo no processo: o presidente emite frases de efeito dúbias, o mercado se agita, o dólar sobe, Haddad aparece com o extintor e diz que não foi bem assim.

Só que dessa vez havia um problema maior, mostrado pela Folha: a declaração, dada à TV Record, fora vazada ao mercado financeiro por meio de uma agência da qual a entrevistadora era sócia.

Aqui, tanto a língua de Lula e quanto o chamado mercado aparentemente haviam caído numa pegadinha da própria mídia. Por causa do vazamento, a repórter terminou demitida pela Record.

Num tempo que respira desinformação pesada, é muito ruim que uma parte da imprensa que se pretende profissional participe desse tipo de esquete.

De resto, é pouco provável que as falas públicas de Lula mudem de tom. Menos provável ainda é que as declarações do presidente da República deixem de ser escrutinadas, com ou sem atraso.

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