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Sobre cigarras e formigas: os ciclos de commodities

Abundância de recursos naturais é vantagem comparativa, mas pode ser desafio ao desenvolvimento

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Desde o segundo semestre de 2020, durante a pandemia, iniciou-se um novo ciclo de alta nos preços internacionais de alimentos, metais e energia, tal como nos de petróleo. Tais bens são conhecidos como commodities, pois estão na base das cadeias produtivas mundiais. Os períodos de alta de preços tendem, supostamente, a beneficiar o Brasil, por ser produtor e exportador destes bens. Porém, esta não é uma vantagem que se reverta em benefícios automáticos para a população. É preciso criar as condições capazes de converter ciclos de commodities em novas bases de crescimento sustentado no país.

O atual ciclo de commodities tem componentes inusitados.

No Brasil, pela primeira vez desde a introdução do Real, a alta de commodities esteve conjugada à desvalorização da nossa moeda frente ao dólar, algo contraintuitivo. Usualmente, o aumento no preço das exportações e as perspectivas positivas que se abrem para o país contribuem para ampliar os saldos na balança comercial e a entrada de divisas e, assim, valorizar a moeda local.

Ainda mais recentemente, após o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, o reforço na valorização das commodities também esteve associado a perdas no comércio internacional brasileiro, pois os preços das principais importações brasileiras (fertilizantes, combustíveis, produtos industriais) subiram mais do que os preços dos bens que exportamos. Assim, contraditoriamente, também está associado ao aumento dos juros e do custo de financiamento da economia, não obstante ajudar temporariamente na melhoria do quadro das contas públicas.

Outra observação: desde que temos estatísticas, o Brasil tem aumentado a sua dependência em relação a commodities. Em 2021, estes produtos estiveram entre os dez principais itens na nossa pauta exportadora, respondendo por 52% do total das exportações. Em 1997, estes mesmos produtos respondiam por apenas um quarto da pauta. Ademais, não exportávamos petróleo e este agora responde por 11% das exportações. Isto não é um problema em si, mas apenas nos remete a pontos de atenção sobre o crescimento de longo prazo do país.

A evidência mundial sugere que a abundância de recursos naturais pode ser um desafio para o desenvolvimento. Isso porque ou são finitos ou porque encontram-se em setores com produtividade por trabalhador mais baixa.

Há países que tiveram a capacidade de, ao longo dos anos, reduzir a dependência destes bens e promover processos relativamente rápidos de aumento da renda média, diversificando suas economias para setores de mais alta produtividade, como indústria ou serviços. Outros mantiveram ou ampliaram esta dependência ao longo do tempo e não conseguiram reverter tais benefícios em aumento da renda média da população.

A dependência de commodities está associada, além de baixos níveis de produtividade do trabalho, ao crescimento lento e à alta frequência de choques negativos de produtividade. O problema central é a elevada oscilação de preços internacionais que leva, via de regra, a oscilações cambiais e macroeconômicas mais severas nestes países. A alternância de momentos com elevada entrada de recursos externos, e consequente apreciação das moedas locais, pode expulsar outros setores produtores de bens comercializáveis, com menor remuneração relativa, mas com trabalho mais qualificado e maior produtividade.

Analogamente, em momentos de escassez de recursos (na fase de baixa do ciclo), amplifica o endividamento público, eleva o custo do capital e contrai a atividade econômica, dificultando a expansão das atividades dos demais setores.

Construir a capacidade de suavizar os ciclos torna-se tão fundamental quanto permitir usos destes recursos para melhorar a governança pública, fomentar o aumento da escolarização, da inovação e da produtividade geral da economia. O problema é quando o dinheiro fácil dos períodos de expansão leva ao aumento do rent-seeking (pressão de grupos de interesse) e da corrupção, além do desestímulo à educação e à inovação, casos bastante conhecidos na literatura econômica.

Por exemplo, o ciclo de commodities anterior mais recente trouxe benefícios iniciais para o Brasil, com sinais de enriquecimento (o PIB per capta cresceu em média 3% ao ano. entre 2005 e 2014, com redução da pobreza), mas também o conduziu à pior crise econômica da sua história ao final, com perda significativa de renda.

Foi um ciclo duradouro, com o índice que mede preços internacionais saindo de valores próximos a 180 pontos em 2003 e voltando a este mesmo patamar em 2015. Isto depois de ter alcançado mais de 300 pontos entre 2007 e 2014. Ou seja, os preços praticamente dobraram no período, ainda que entremeado pela crise financeira internacional de 2008/2009. A volta do ciclo foi muito repentina, entre 2014 e 2015.

Como na Fábula de Esopo, a forma como um país se defende das armadilhas dos ciclos de commodities é poupando nas épocas de prosperidade para compensar as épocas restritivas. Isto é determinante para transformar a abundância de recursos naturais em desenvolvimento. Além de aprender a elucidar os ciclos, suavizar seus efeitos, e assim permitir maior estabilidade e previsibilidade, é igualmente importante atenuar a dependência das commodities e desenvolver instituições capazes de consolidar um ambiente de negócios transparente, descomplicado, promotor de ganhos persistentes de produtividade e competitividade das empresas.

Na atual conjuntura global, o Brasil encontra-se muito bem posicionado, pois possui uma matriz energética diversificada e limpa, importantes ativos ambientais com capacidade de capturar carbono e produzir alimentos, além de reservas minerais e metálicas. Cabe a nós, brasileiros, transformar esse legado natural em mais preservação, educação, tecnologia, conhecimento, equidade, coesão e estabilidade.

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