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Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Descrição de chapéu Tóquio 2020

Dez versos livres com barreiras

Encaixou agora um 'invert' de 'backside', que é uma repetição invertida

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Josias, narrador esportivo E qual é a expectativa pro desempenho do Carlos, Karen?

Karen, comentarista Expectativa muito boa, Joca. Apesar de jovem, o Carlos apresenta um físico de poeta maduro: careca, óculos, uma cifose de responsa. Não chega a ser tísico, mas impressiona.

JNE Maravilha. Carlos que nasceu em Itabira, Minas Gerais e... Ó lá, abriu o caderno! Caneta na mão, vai começar, vai começar, começou!

“No meio do caminho tinha uma pedra”.

KC Começou arriscando muito o poeta mineiro, citando aí a Divina Comédia, do Dante Alighieri: “No meio do caminho desta vida/ me vi perdido numa selva escura”, só que em vez do decassílabo do Dante ele meteu uma sílaba a mais. Ousou.

JNE Quebra tuuuuudo, Carlos! E o Dante Alighieri, aí, pra quem não sabe, nasceu em Florença, em 1265 e... Botou a caneta no papel de novo! Vamos ver que que ele vai aprontar agora!

“tinha uma pedra no meio do caminho/ tinha uma pedra”.

Ilustração - Adams Carvalho

KC Encaixou agora um “invert” de “backside”, que é uma repetição invertida. E vai sem rima e sem métrica, hein? Parece uma técnica muito simples, mas pra fazer direito é casca. Vale lembrar que Itabira é uma cidade com muita pedra, na hora de pontuar os juízes levam em consideração a verdade do poema. Sem falar na questão do “tinha”, né? Na poesia os juízes costumam esperar o “havia”, mais formal, e o Carlos manda aí três “tinha” na sequência.

JCE É invocado o itabirano! Começou levantado o sarrafo lá pro alto com Dante, aí jogou o leitor na lona com esse ippon do “tinha”. É a giiiiiiinga do poeta brasileiro! Olha lá, lá vem mais verso!

“no meio do caminho tinha uma pedra”

KC Encaixou mais uma repetição e mais um “tinha”, criando aí todo esse efeito do obstáculo, da estagnação, trazendo a ideia da pedra no caminho, mesmo.

JCE Escreve potente o menino Carlos! Que arranque na largada! Que alegria nos dedos!

KC E cê vê que ele trabalha com palavras bem simples, do dia a dia, é muita coragem apresentar essa série pros juízes, aí, que apesar do Modernismo ainda tão acostumados com o Simbolismo, o Parnasianismo. Aliás, beijo aí pra toda galera de 22 que com certeza tá assistindo a gente. Marinho, Oswaldão, Tatá, Villa, Nitinha...

JCE E ele vai pra segunda estrofe, se liga, Brasiiiiil!

“Nunca me esquecerei desse acontecimento/ na vida de minhas retinas tão fatigadas.”

JCE É isso mesmo que eu tô vendo, Karen?

KC É isso mesmo, Josias! Ele que vinha de uma sequência silábica de onze, onze, quatro, onze, sem rima, coloquial, quebradeira total, dá uma paradinha e encaixa um alexandrino no ângulo! Um verso pomposo de doze sílabas, giro surpreendente do coloquial pro formal.

JCE É verso prum lado e leitor pro outro! Tá sobrando coragem! Tá esfregando talento na cara dos juízes, o menino Carlos! Tá dizendo: eu também sei falar difícil! Eu também sei imitar francês, mas aqui é Brasil! Vai, Curintcha!

“Nunca me esquecerei que no meio do caminho/ tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ no meio do caminho tinha uma pedra”.

JCE E acabou! Fechou com chave de ouro! Depois do lançamento do dístico solene ele volta pros versos do começo, fechando na coloquialidade! Ele sobe mais alto que o Thiago Braz e traz pro solo com a beleza de uma Daiane! É lá e cá, lá e cá, joga nas onze Carlos Drummond de Andrade!

KC Realmente muito impressionante! Vamos aguardar, aí, ver se os juízes entendem ou vão premiar o joguinho covarde do classicismo.

JCE Vamos aguardar! E não desgruda da poltrona que mais tarde tem Brasil de novo, hein?! É Lygia Clark na escultura, Lygia Clark no metal! O bicho vai pegaaaaar!

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