Siga a folha

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Picanha acima de tudo

Se um dia o bolsonarismo pensou em se apropriar do churrasco, acabou

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

"A picanha venceu o medo!"? Não. Exagerado. "A picanha venceu o ódio!". Tsc, tsc... Deu no mesmo. Grandiloquente. "Ninguém solta a picanha de ninguém!"? Hm. Meio pornográfico. Além de ser o contrário do que quero passar: não é "sobre" agarrar a picanha do outro, é "sobre" o-assar-e-o-compartilhar-da-picanha-enquanto-projeto-simbólico-de-união-nacional-e-por-que-não-dizer-da-paz-eterna-entre-os-povos?

É um projeto cívico. De união nacional. John & Yoko. Tipo um estádio cantando: "Ohhhh, o picanhão voltou-oô-oô/ o picanhão voltou-oô-oô"/ o picanhão voltou-ôôôô". Tô falando sério –por isso mesmo faço piada.

Vou esquecer o slogan. Os profissionais da publicidade saberão vender a ideia muito melhor do que eu: estou aqui é para comemorar e anunciar a novidade: com o resultado das eleições presidenciais, o churrasco volta a ser de esquerda. Posso grelhar linguiças sem me achar fascista. A nossa grelha, sim, será vermelha! –e daí?

De tudo o que perdemos para o bolsonarismo –a camisa da seleção canarinho, a vergonha na cara, a bandeira nacional, a Terra redonda, a social-democracia, o morey-boogie, Santa Catarina, a delicadeza, o hino, a compaixão, o videogame, o sonho de padaria, o futebol, o Rider, o frango com farofa e o patriotismo –nada me doeu mais do que o churrasco.

Foi na primeira semana de quarentena, enquanto todos, apavorados com o vírus, estávamos trancados no quarto, que o bebezão foi passear de jet ski no lago Paranoá. Como o entorno não impusesse a ele ou a qualquer um suficiente risco, achou de bom tom encontrar um possível transmissor/hospedeiro numa lancha e filmar-se trocando perdigotos com ele. Parou ao lado do barco e tava rolando um churrasco. Ali ficou, com seu sorriso de idiota, de criança que sabe estar na subversão, comendo um espetinho. No dia seguinte meu amigo Rafael me ligou enfurecido. "Além de tudo, eles roubaram o churrasco? É isso?! Agora churrasco é de direita?!".

Não é. E se por algum período foi, venho aqui trazê-lo de volta. Pra começar, fogo é de esquerda. Fogo não é conservador, é progressista. A passagem da lenha pra cinza. (Passando pela brasa vermelha comunista). Depois: chamar um monte de gente pra comer junto não é de direita. Pra quê? Ninguém aí é casado? Ninguém trabalha? Ninguém tem mais o que fazer? Junta um bando de gente e vai dar bagunça. Vão pegar na mão. Vão fazer greve, sexo, música, besteira.

Termino com a minha "receita" de picanha, embora churrasco não tenha "receita". (Vale pra qualquer bife). Faz uma brasa bem quente. Quando estiver laranja, com uma fina camada de cinza por cima (receita que tá em Homero e Bassi), bota a picanha em bifes grossos. Salga só na grelha e mói na hora uma pimenta preta. Vira quando estiver bonito embaixo. Depois muda o lado, assa e sobe um pouco a grelha.

Tira. Espera dois minutos. Fala, pausadamente, FALTAM DOIS MESES PRA BESTA SAIR, FALTAM DOIS MESES PRA BESTA SAIR, FALTAM DOIS MESES PRA BESTA SAIR, FALTAM DOIS MESES PRA BESTA SAIR, FALTAM DOIS MESES PRA BESTA SAIR, FALTAM DOIS MESES PRA BESTA SAIR, FALTAM DOIS MESES PRA BESTA SAIR". Corta. Serve. Come.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas