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Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

Xingue, mas com elegância

Soltar um palavrão pode ser incrivelmente libertador, desde que seja usado com moderação

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Nossa língua é rica, tem quase 400 mil palavras de acordo com o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. É palavra pra cara#*, digo, pra dar e vender. Mas usamos no máximo umas 150 palavras no nosso dia a dia, entre as quais, estimo, 50 são de baixo calão.

Soltar um palavrão pode ser incrivelmente libertador, todos nós sabemos, desde que seja usado com moderação: quanto menor a frequência que recorrermos a ele, mais prazerosa será sensação quando usarmos. Quem incorpora palavras chulas no vocabulário cotidiano e os usa indistintamente perde a oportunidade de aproveitar o efeito catártico de um bom palavrão.

Não existe analgésico verbal mais poderoso do que um palavrão para nos fazer suportar a dor quando batemos o dedinho na quina da cama, nem estímulo maior para nos ajudar a enfrentar a água gelada de uma cachoeira.

Torcedores mostram dedo do meio em partida da primeira divisão do campeonato alemão entre Borussia Dortmund e Freiburg - AFP

"As vantagens de xingar são muitas", explica Timothy Jay, autor de seis livros sobre a psicologia dos palavrões. Segundo ele, o poder deles vem da quebra das normas sociais, o que explica por que, quando somos crianças, falar palavras "proibidas" como xixi e cocô parece ser tão satisfatório e transgressor.

Mas podemos xingar sem deixar rastros. O poeta Mário de Andrade usava elegantemente a expressão "reverendíssima besta" para insultar os seus desafetos. Winston Churchill conseguia afrontar seus adversários de maneira sutil e sofisticada: "você tem todo o direito de estar errado".

Luís Milanesi, autor de Dicionário Brasileiro de Insultos (2002, Ateliê Editorial) sob o pseudônimo Altair J. Aranha, compilou 3 mil "insultos finos" em seu dicionário. É um número mais do que suficiente de expressões para abolir palavras consideradas obscenas e nos permitir vilipendiar com classe.

Dia de futebol, por exemplo. No primeiro minuto do jogo, instantaneamente, todos os 400 mil vocábulos se transformam em um palavrão do tamanho do estádio. É xingamento para todos os lados: goleiro que franga, artilheiro que erra na boca do gol, bandeirinha que interrompe uma jogada linda, o VAR que não deixa comemorar o gol. Por que não tentar diferente?

Em vez de chamar o jogador de anta-de-kichute, usem futre (do francês "foutre", desprezível) ou nóxio (noscivo). E quando se dirigirem ao árbitro na pessoa da sua mãe, que usem espurco (sórdido, torpe) e deixem em paz as mães dos árbitros de uma vez por todas.

Em épocas de eleições o nível fica abaixo no mar. Abrem-se as porteiras dos xingamentos e acusações entre os candidatos no vale tudo da disputa. Para manter a compostura, além de apresentar propostas honestas de governo, eles deveriam, sobretudo antes dos debates, se preparar usando o dicionário de insultos para não transformar em uma briga de boteco, como aconteceu com o vergonhoso debate de quinta-feira (8).

Se quiserem desqualificar o oponente, que o façam, não faltam personalidades para se inspirar, como o escritor francês do século IX Gustave Flaubert, que acabou com um rival com um só tiro: "Sua mediocridade é tão brilhante que ofusca até mesmo a escuridão".

Em vez de xingar o oponente de ladrão, que usem flibusteiro (trapaceiro). Para acusar um mal caráter, usem mefistofélico (diabólico). Para o golpista de mer#* que rouba o dinheiro do povo, usem intrujão (impostor) ou soez (vil, ordinário).

É certo que não faltam histriões (farsantes) no cenário político, mas dentro das 3 mil palavras, tenho certeza de que dá para encontrar adjetivos adequados para esses canalhas, ou melhor, valdevinos (vagabundos).

Alguns candidatos agem como bonifrates (bonecos articulados, movidos para representar), muitos deles são tão irritantes como grasnadores (pessoas com voz desagradável que grasnam como o corvo) e se apresentam como peralvilhos (metidos a elegantes sem o ser, janotas, almofadinhas) para tentar mostrar elegância. Alguns chegam a ser traga-mouros (brutais, violentos), achando que com isso vão vencer na força (pior é que às vezes funciona). Mas não seria do caralh#*, digo, maravilhoso, poder mandar um lheguelhé (Zé ninguém) desses se auto copular, sem sujar a boca?

Brigas no trânsito: um onagro (burro) bate com tudo na sua traseira e vai para cima dizendo que a culpa foi sua. Em vez de responder a ele "minha culpa é o seu c#*"... diga apenas, "não seja mentecapto (louco), seu quebra-louças (desastrado), assuma a sua culpa e deixe de ser obnubilado (pessoa com o pensamento obscuro e lento)".

Pode apostar: na mesma hora o abécula (palerma, desajeitado) lhe passará o seu telefone, o da seguradora, fará o BO e ainda lhe pedirá desculpas.

Com todos esses recursos não podemos cair na caga#..., ou melhor, na besteira de entrar em baixarias. Eu sei que é fod#*, digo, difícil, mas uma hora a gente aprende a arte de xingar com elegância.

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