Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich
Descrição de chapéu maternidade

Fui traída por 18 anos e fingi não saber

Só quem ama demais consegue abrir a relação

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São 18 anos juntos. Ele vinha me traindo há algum tempo. Na verdade, isso acontecia desde o nosso primeiro encontro. Eu fingia não perceber, me enganava acreditando que seria passageiro e que logo voltaria para mim, inteiro, era a única forma de suportar. Mesmo assim o amor nunca parou de crescer.

Nossa relação sempre foi aberta, não dava para funcionar de outra forma, nem por mim, nem por ele. Temos nossos espaços bem delimitados, apesar de eu ter cometido alguns excessos de quem ama demais.

Mulher triste, sentada na cama
Credit Panitan/AdobeStock

A traição, porém, não acontecia com as outras, acontecia nele, dentro dele. Ele se transformava discretamente, com a conivência do tempo que disfarçava a passagem dos anos e as mudanças que não conseguimos perceber no dia a dia. Até que chegou o momento em que ele assumiu a traição e me comunicou: "vou sair de casa". Era hora de seguir o seu caminho, longe de mim.

Como receber essa afronta do próprio filho? Não existe fidelidade da prole, eles já vêm ao mundo com planos sinistros de nos fascinar irreversivelmente para depois crescer sem a nossa permissão, deixando de ser um pedaço de nós, para ser inteiramente eles.

Mordi a isca de primeira, me apaixonei perdidamente sem precisar de nenhum esforço da parte dele: bastavam suas bochechas. Deixei que ele roubasse o meu sono, se apropriasse do meu tempo, consumisse o meu dinheiro, abusasse do espaço no meu coração. Fui motorista, cozinheira, contadora de histórias, nutricionista, enfermeira, psicóloga. Fui nomeada por ele para ser a culpada por todos os seus problemas, e eu, tola, aceitava as culpas, mesmo sem saber pelo que.

Eis que, de um dia para outro, o meu bebê aparece com pés enormes, coxas peludas (e lindas) e uma voz grossa para anunciar uma história totalmente inversa aos planos iniciais.

Parece que de um minuto para o outro a mesma pessoinha que vinha correndo para me abraçar na saída da escola, me pedia para deixar na esquina das festinhas. O mínimo que eu merecia, depois de tanto investimento e dedicação, era que ele ficasse perto, obediente (mentira!). Usei a tática do dinheiro para segurá-lo mais um pouco, mas ele tinha planos bem elaborados —mea-culpa, foi educado a valorizar cada conquista e esforço pessoal.

Tentei a chantagem emocional, mas, me conhecendo muito bem, ele fez do meu drama uma comédia. Tive que aceitar o ultraje, mesmo porque eu não tinha alternativa.

Meu menino não precisa mais da minha anuência para fazer as suas escolhas, nem das minhas historinhas para sonhar, ele tem as próprias vontades, os próprios sonhos.

Só quem ama demais consegue abrir a relação. Sei que a nossa história nunca mais será a mesma, meu novo compromisso é tentar ser fiel às novas traições que ele vier a cometer. Voa filho!

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