Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Descrição de chapéu jornalismo

Flaubert diria que vivemos uma era profundamente obscena

Com ou sem PL das Fake News, guerra contra a mentira será longa

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O PL das Fake News, primeira grande batalha legislativa do terceiro mandato de Lula, ganhou esse nome porque, ao nascer, tinha "apenas" –com muitas aspas em "apenas"– o propósito de combater a pandemia de desinformação que se alastrou pelas redes sociais, solapando a inteligência coletiva da espécie.

Houve um tempo recente em que muitos argumentavam não haver nada de novo nas fake news, que seriam só a encarnação atual da velha mentira politicamente interessada. Deixavam assim de levar em conta o xis da questão –a escala inédita do fenômeno propiciada por um novo meio.

Compreensivelmente, dada a complexidade da matéria, o PL das Fake News foi encorpando até abarcar um pacote de normas reguladoras da atuação das redes como um todo. Essa é, como se sabe, uma terra ainda sem lei, ou, antes, uma fronteira de exploração recente em que vigora a lei do mais forte, com as chamadas big techs no papel que um dia foi de bandeirantes e caubóis.

Ilustração mostra uma mão segurando um celular e uma imagem do ministro do STF Alexandre de Moraes
Disparos em massa pelo WhatsApp - TV Folha

Se de simples o assunto não tem nada, tocando mesmo no que pode ser o grande nó civilizacional do nosso tempo, deve-se reconhecer que os principais efeitos globais desses anos de redes sociais desreguladas são tão cristalinos que qualquer criança os entende.

Cresceu a extrema direita, com seu cultivo da violência, do irracionalismo e das políticas baseadas no medo e no ódio ao diferente. Perdeu terreno a democracia –e com ela todo um conjunto de valores enraizados no Iluminismo, como a crença na ciência e o entendimento da diversidade humana como riqueza.

Não há motivo para acreditar –a menos que você seja dado a teorias da conspiração, um dos gêneros de maior sucesso nas redes– que todos esses efeitos psicossociais tenham sido diabolicamente planejados no Vale do Silício, entre mesas de pingue-pongue e máquinas de latte.

É mais provável que eles sejam o produto razoavelmente imprevisível da interação de uma nova e revolucionária tecnologia de comunicação com a velha natureza humana. A esta, como sempre souberam os bons romancistas, não faltam zonas de trevas entremeadas com faixas de luz: tudo vai depender dos botões que você aperta.

Por que será que, como diversas pesquisas já constataram, as notícias falsas têm mais chance de compartilhamento e viajam com velocidade várias vezes maior do que as verdadeiras? Por que clicar no vídeo de um assassinato bárbaro é irresistível para tantos de nós, mesmo –ou principalmente– quando a violência nos horroriza?

Se formos sinceros, seremos obrigados a reconhecer que a resposta mais básica a essas perguntas está enterrada bem fundo em nossa alma –os algoritmos vêm depois. Nesse sentido, as redes sociais são só um espelho de aumento posto diante da espécie.

O que as big techs fizeram foi encontrar formas cada vez mais sofisticadas de explorar comercialmente esses traços ancestrais, ordenhando fraquezas humanas em escala industrial para ganhar dinheiro. Muito dinheiro. Entende-se que reajam com violência a qualquer tentativa de organizar a suruba.

Isabella Faria olha séria para a câmera
Programa Como é que é? fala sobre Elon Musk e Twitter - Folhapress

Aprovado ou não o PL das Fake News, a guerra será longa. Falando da verdade da arte, aparentada mas diferente daquela da filosofia, o romancista Gustave Flaubert escreveu: "A partir do momento em que uma coisa é Verdadeira, ela é boa. Os livros obscenos só são imorais porque lhes falta verdade". O pai de "Madame Bovary" diria que vivemos uma era profundamente obscena.

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