Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Descrição de chapéu

Ocupado é o novo estúpido

É fácil tornar a vida difícil, preenchendo o dia com reuniões desnecessárias, não delegar e se sobrecarregar de tarefas

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Com certeza você conhece esse indivíduo –se não for o próprio. Está sempre atarefado, com reuniões, compromissos ou obrigações. O importante é estar permanentemente ocupado.

É tão solicitado (leia-se: necessário) a ponto de não ter tempo para nada além das horas gastas se sacrificando pelo trabalho, pelos outros ou por alguma causa. O tom é de exaustão – faz parte do jogo –, mas por trás do lamento existe um alívio, uma satisfação pessoal movida pela necessidade interior de se sentir útil. Para essas pessoas, o esgotamento é o preço para o sucesso; o lazer, a diversão e o descanso são reservados para os preguiçosos. O lema é: quanto mais ocupado, mais produtivo serei, consequentemente melhor serei como pessoa.

O bilionário Warren Buffett declarou: "o ocupado é o novo estúpido". Apesar do exagero da frase –duvido que ele não tenha suado a camisa (ou feito algum estúpido trabalhar de sol a sol por ele) para acumular tanto dinheiro – ela é boa como resposta àqueles que consideram que estar sempre assoberbados é motivo de orgulho e consideram que quem não vive como eles, são meros vagabundos.

Relógio do antigo Mappin, na Praça Ramos, centro da capital paulista - Eduardo Knapp - 20.jan.22/Folhapress

É fácil tornar a vida difícil. Basta preencher o dia com reuniões para tratar de assuntos que podem ser resolvidos com uma ligação (reuniões merecem um tratado à parte), não delegar tarefas, se sobrecarregar de funções, sejam elas profissionais ou domésticas e, importante, supervalorizar todos os problemas normais que qualquer trabalho impõe. O trabalho, para essas pessoas, funciona como o vento para o catavento.

Ocupação, entretanto, não é sinônimo de produtividade –às vezes age como uma força oposta; trabalho e descanso não são excludentes um do outro, e sim ótimos colaboradores. O que fazemos nas horas em que não estamos trabalhando influencia diretamente na qualidade do nosso trabalho.

Se pensarmos que desde a origem da humanidade o objetivo principal do trabalho era justamente aliviar a carga de trabalho do homem, não parece contraditório vivermos em função dele? A invenção da roda veio para poupar esforços, assim como os avanços tecnológicos fazem hoje o mesmo papel. Num mundo viciado em ocupação, é preciso usar mais inteligência, inclusive a artificial, para simplificar os dias, aprender a fazer escolhas e renúncias, resistindo à atração da ocupação incessante.

Sísifo, personagem da mitologia grega, foi condenado pelos deuses a realizar diariamente a tarefa de rolar uma pedra montanha acima, para depois vê-la cair de volta, repetidamente em um ciclo interminável. É esse tipo de "trabalho sem esperança" associado a Sísifo, que nos desperta a buscar um propósito, não só no objeto, como também na forma de trabalhar.

É difícil não sucumbirmos aos hábitos da cultura da ocupação e, mais difícil ainda, nos livrarmos da tecnologia que nos mantém perpetuamente conectados. Já nem percebemos o quanto estamos presos a essas armadilhas.

No filme "Um sonho de Liberdade", obra-prima, o presidiário Brooks comete suicídio depois de receber a sua liberdade condicional. De tão habituado que estava à vida no cárcere, não conseguiu sobreviver fora dele. Somos todos um pouco esse personagem, nossa masmorra está colada no nosso corpo, nas nossas telas, nas nossas agendas lotadas, que não nos permitem usufruir de momentos de liberdade provisória.

Se trabalhar exige disciplina, descansar depende dela. Não se trata simplesmente de não trabalhar ou de não fazer nada, o verdadeiro descanso é aquele que nos tira do piloto automático e que alimenta a criatividade, abre espaço para enxergar horizontes que não conseguimos acessar quando ocupados. Não é, portanto, um descanso passivo: ele é deliberado, contemplativo, um exercício de liberdade.

Estudos da neurociência, psicologia e sociologia demonstram que o descanso desempenha um fortalecimento do cérebro, melhorando a aprendizagem e percepção das coisas. Atletas só conseguem bom desempenho com uma rotina de descanso. É uma tese antiga, validada pela ciência moderna, que defendia que o trabalho fornecia os meios para viver, enquanto o ócio (diferente da ociosidade) dava sentido à vida. Aristóteles já dizia que a felicidade reside no ócio, "trabalhamos para ter ócio, da mesma maneira que fazemos guerra para ter paz".

O cérebro precisa de descanso para dar outra direção aos pensamentos, dar espaço à contemplação e à atenção plena, o flow, nem que seja por alguns minutos. O maior desafio, em meio a tantas demandas e tanta tecnologia, é conseguir focar em uma coisa só.

Portanto, se você se sente culpado quando não está trabalhando enquanto os outros estão no escritório ralando, relaxe! Você também está trabalhando.

Erramos: o texto foi alterado

O sobrenome do americano Warren Buffett havia sido grafado incorretamente, com apenas um t, em versão anterior deste texto.

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