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Romancista, autor de 'Nove Noites' e 'Os Substitutos'

'Ele é meu sonho, pô!'

'Diz que, se ele quiser, eu ajoelho de cueca e faço uma oração pra Stálin!'

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"Diz pra ele que ele é o meu sonho."

"Desculpe, não entendi."

"Vai, diz pra ele."

"Que ele é o seu sonho?"

"Sim."

"Mas..."

"Tô dizendo, porra. Diz pra ele. [...] Que foi que ele respondeu?"

"Quer saber de que lado o senhor está."

"Do lado dele, claro! Ele é o meu sonho. Que mais eu poderia estar querendo dizer? Repete pra ele. [...] Que foi que ele disse?"

"Quer saber em caso de guerra."

Jair Bolsonaro em cerimônia de aposição de coroa de flores no Túmulo do Soldado Desconhecido, em Moscou - Maxim Shemetov/Pool/AFP

"Sempre. Essa força imperial!"

"Ele quer saber se o senhor está pronto pra dar essa declaração em público."

"Na hora que ele quiser. [...] Ele gostou, né? Aposto que gostou. Depois dizem que não entendo de diplomacia. Força imperial! Você acha que ele gostou? Ele nunca ri?"

"Ele quer saber: sonho em que sentido?"

"Ainda estou na fase de prestação de contas, acham que eu tô aqui pra servir, proteger o dinheiro de um, a igreja de outro, tipo leão de chácara. Ele já superou isso, né? Faz o que quer sem pedir licença a ninguém. Põe pra foder. Chuta a porta. Dá, tira. Não vejo a hora. É o meu sonho."

"Ele disse que trabalha pro povo."

"Haha. Eu também! Eu também! Essa é muito boa! Haha. Adoro."

"Quer saber se em caso de guerra o senhor vai continuar tirando foto com ele."

"Palavra de irmão, pô. Agora, diz aí que meu filho que veio comigo também é fã dele e tem paixão pelos brinquedos deles aqui. Será que daria pra..."

"Talvez num outro momento... Temos uma pauta. São instâncias diferentes."

"Meu chapa, você está aqui pra traduzir ou pra dar ideia? Faz a minha pergunta."

"Qual é a pergunta?"

"Quando é que meu filho vai poder ver os brinquedos? [...] Que foi que ele disse?"

"Perguntou se é pegadinha."

"Pegadinha?"

"Mandou o senhor esvaziar os bolsos."

"Eu?"

"É."

"Por que isso agora, pô?"

"Acha que o senhor está gravando."

"Mas já fui revistado na entrada. Deixei o celular do lado de fora. [...] Que foi que ele disse?"

"Mandou o senhor ficar de cueca."

"Agora?"

"Agora. Vai chamar o segurança."

"Paranoia, pô! Diz pra ele que ele é o meu mestre. Vai. [...] Que foi que ele disse?"

"De cueca."

"Ele vai mostrar os brinquedos pro meu filho?"

"É pra perguntar de novo?"

"Pede por favor. Não custa nada mostrar os brinquedos. A gente é aliado. A gente se gosta. [...] Que foi que ele disse?"

"[...]"

"Que foi que ele disse, porra?"

"Perguntou de onde saiu esse babaca."

"[...]"

"Disse que está cansado de palhaço. Não precisa de mais um."

"Grosseria, pô! Só porque perguntei dos brinquedos. A gente tem urgência, porra."

"Digo isso?"

"Não! Diz que ele mostra quando quiser. Não contraria. A gente também gostaria muito... Que é que ele tá dizendo?"

"Que o senhor deve ser resistente a veneno."

"Eu? A troco de quê?"

"Não deu pra ouvir. Estão confabulando entre eles, parece."

"Ele está rindo."

"Perguntou se são lágrimas."

"Como é que é?"

"Quer saber se o senhor está chorando."

"Diz pra ele que preciso da ajuda dele, pô. É uma questão de sobrevivência. A gente pode colaborar. Fazemos qualquer coisa. Meu apoio em troca dos brinquedos. [...] Que foi que ele disse?"

"Vai desnazificar a parada."

"Como é que é?"

"Vai acabar com os fascistas."

"Opa. Peraí. Que é que ele tá querendo dizer com isso? Não, pô, a gente vem até aqui como amigo pra ouvir esse tipo de coisa? Ofensa não! Que história é essa agora?"

"Ele quer saber se o senhor está do lado dele contra os fascistas."

"Eu? Puta merda. Louco! Dá uma enrolada aí, diz que, sei lá, caralho, diz que... Que foi que ele disse?"

"Quer levar o senhor ao monumento do soldado comunista."

"Puta que o pariu, porra! Era o que me faltava. E os brinquedos?"

"Quer saber se o senhor apoia ele invadir."

"Amo invasão."

"Ele pede que o senhor desenvolva o raciocínio."

"Invasão em terra de índio, claro. Na minha é que não é! Hahaha! Hahaha! [...] Ele só ri na hora errada? [...] Que foi agora?"

"[...]"

"Que foi que ele disse?"

"Que não tem tempo pra vagabundo."

"Filho da puta, tá aí há anos aparelhando o Estado e espoliando o país e só eu não posso brincar? Mafioso! Miliciano!"

"Traduzo?"

"Não, né? Vai disparar fogo amigo? Diz pra ele que o que mais admiro nele é como ele torce os fatos, manda prender, calar a boca e o caralho, sempre seguindo a lei que ele próprio faz. Que estilo! Sou um pobre aprendiz. Agora, cá entre nós, já que estamos na intimidade, pergunta se ele acredita mesmo nas merdas que ele fala."

"Ele disse que não fala merda."

"Hahaha, tipo eu! Tipo eu! Hahaha! É isso aí. [...] Opa, aonde é que ele tá indo?"

"Disse que o tempo acabou."

"E os brinquedos? Não vai me deixar na mão, né? Espera! Diz que, se ele quiser, eu ajoelho de cueca e faço uma oração pra Stálin!"

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