Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Joanna Moura
Descrição de chapéu Todas clima Chuvas no Sul

O consumo e a crise climática

Já gastei o que tenho e o que não tenho com coisas que, na maior parte das vezes, não preciso e as redes sociais agravam esse cenário

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Seria impossível tentar falar de outra coisa neste momento que não a tragédia sem precedentes pela qual o Rio Grande do Sul está passando neste exato momento. As fortes chuvas aliadas ao descaso ambiental e o despreparo para lidar com a crise climática que se agrava a cada ano criaram um cenário desesperador e sem precedentes na região.

As imagens são de quebrar o coração. Cidades inteiras alagadas, famílias separadas, gente ilhada, sentada no telhado da casa que se foi, à espera de um resgate. Checo as notícias enquanto escrevo, já que o panorama triste parece se agravar a todo momento. Neste momento, a Defesa Civil já contabiliza cem mortos, 128 desaparecidos, 372 feridos e mais de 160 mil desalojados.

O Memorial do Rio Grande do Sul inundado pelas enchentes que se abatem sobre Porto Alegre
O Memorial do Rio Grande do Sul inundado pelas enchentes que se abatem sobre Porto Alegre - Camila Diesel/Sedac

Ainda mais aterradores que os números são os rostos e histórias que surgem em meio à catástrofe. As redes sociais estão cheias delas. Vítimas que perderam tudo. Gente que busca pelo básico. Lhes restou um telefone celular cuja bateria irá durar por sei lá quanto tempo, talvez muito pouco. Mas enquanto houver conexão, há a chance de registrar a tragédia e tentar fazer com que o mundo preste atenção.

Entre as tantas histórias avassaladoras vindas de lá, uma em particular me pareceu tocar num ponto crucial deste desastre e do raciocínio que está no cerne da crise climática que enfrentamos.
No vídeo, um rapaz jovem aparecia andando lentamente, com água na altura do peito. Com um dos braços ele carregava um cãozinho, com o outro fazia o registro do vídeo. Atrás dele, sua casa, inteiramente alagada pela enchente. No registro ouve-se a voz trêmula, de quem tenta processar o que se passa a sua volta.

"Saindo só com a roupa do corpo. Não tem essa de marquinha, roupinha, carro da hora. Ta aí o carro ó. Já era. Acabou tudo. Fica aí a reflexão para alguns. O bagulho não vale de nada."

Sua fala bateu fundo por aqui. Estou há mais de dez anos na internet falando sobre consumo. Especialmente sobre como a dinâmica da moda estimula o hiperconsumo. O consumo desenfreado faz suas vítimas todos os dias. São homens e mulheres que, cada vez mais jovens, se tornam dependentes do desejo de ter mais. Eu sei bem porque já estive nesse lugar, de gastar o que tenho e o que não tenho com coisas que, na maior parte das vezes, não preciso.

As redes sociais agravaram ainda mais esse cenário, disseminando ideais de vidas inatingíveis, cujo cerne da perfeição reside justamente na posse, no acúmulo. Influenciadores com roupas novas a cada post, carros de luxo, casas suntuosas. A sanha é tanta que quem não tem finge que tem. Basta dar um google para descobrir o fantástico mundo das empresas que alugam jatinhos por uma hora para ensaios fotográficos que vão parar na internet sem o disclaimer de que o trajeto do voo foi de ida e volta para lugar nenhum.

E aí vem um evento cataclísmico como o que acomete o Rio Grande do Sul, e o recado do rapaz em meio ao caos nos joga na cara a futilidade do que nos rodeia.

Resta entendermos que é essa mesma lógica de hiperconsumo que nos trouxe até aqui. Tudo que é produzido e que chega em nossas casas vem da natureza. E é a ganância, a dinâmica do capitalismo desenfreado e a vontade de ter mais (especialmente vinda de quem já tem muito) que fizeram com que chegássemos nesse novo e violento capítulo da humanidade e sua relação com o planeta Terra. Mas fazemos parte desse sistema e precisamos reconhecer o nosso papel nele e também a nossa capacidade de ir contra ele. Através do voto, através da vigilância e cobrança dos políticos, através das marcas que escolhemos apoiar.

Porque, no fim, quem sofre mais com tudo isso certamente não é a blogueira rica ou o empresário no jatinho. Hoje é o rapaz que segura seu cachorro nos braços e dá adeus a tudo o que construiu na vida. Amanhã pode ser você

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