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Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Descrição de chapéu universidade

Melhor que o Super-Homem, Tio Maneco foi o maior paladino deste país

Vivido por Flávio Migliaccio, personagem provou que o superpoder mais brasileiro é o da gambiarra

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O que seria mais difícil para o Super-Homem? Frear locomotivas com apenas uma das mãos, girar a Terra ao contrário ou estudar no Brasil?

A contar pelas notícias sobre a UFRJ em colapso e deputado bolsonarista querendo extinguir a Uerj, duvido que Clark Kent conseguisse se formar em jornalismo. “Volta para Krypton, vagabundo! Onde já se viu herói de humanas?”

Desculpa aí, mas o maior paladino deste país foi Tio Maneco, vivido pelo ator Flávio Migliaccio. Sem poderes de primeiro mundo, ele se lançava em aventuras pelas tardes da TV Educativa, customizando chaleiras falantes com cabelos de fio de telefone. Afinal, o superpoder mais brasileiro é o da gambiarra.

Com 17 anos e só um pé de sapato, nos conhecemos nesta galáxia mesmo, enquanto eu tentava parar automóveis num pedágio improvisado. Coberta de tinta da cabeça aos pés, no primeiro dia no curso de comunicação da UFRJ.

Durante o trote, a tradição entre os calouros era: você pede, cada um dá o que quiser. E, pela minha experiência, quanto mais fino o carrão, menos o motorista entrava na brincadeira. Abordei, então, um homem em seu Fusca velho.

“Tio Maneco?” Era ele, o Kal-El simples da minha infância. “O que é isso, menina? Passou no vestibular, foi?” E eu ali, no meio da rua. “Meus parabéns, é uma conquista bonita.” No que viu meu pé descalço, perguntou: “Precisa comprar o sapato de volta? Peraí”. Meteu a mão no porta-luvas e achou moedas. “Toma isso aqui também, ó.” Um punhado de fichas de orelhão. “Podem ser úteis.”

O ator Flávio Migliaccio como o personagem Tio Maneco, do filme "Os Porralokinhas" - Divulgação

No que o sinal abriu, Tio Maneco zarpou em seu Fusquinha, única viatura possível para um herói nacional. Companheiros de trote vieram saber se eu tinha faturado. Quando abri a mão e mostrei o lucro, ninguém levou a sério. “Moeda, okay. Ficha não serve pra nada! Joga fora.”

É ruim, hein. Se Tio Maneco salvava o mundo colando com Durepoxi, vai que elas eram mágicas. E não é que me deram sorte? Ao final do dia, recomprei meu sapato e segui em frente. Fiz balbúrdia e tirei diploma em universidade pública. Sempre com alguma ficha do Tio Maneco no bolso.

Em tempo: Flávio morreu em maio passado, deixando uma carta que ficou famosa. “Tive a impressão de que foram 85 anos jogados fora num país como este. Cuidem das crianças de hoje.” Que essa e outras fichas do Brasil possam cair, antes que seja tarde demais.

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