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Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Descrição de chapéu

Se James Bond está sem tempo de morrer, imagina sua paciência com o Brasil?

Uma visita ao submundo cômico, quase brasileiro, da espionagem internacional da União Soviética

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Vem aí mais um filme do James Bond. Acho ótimo, embora, como cidadã brasileira, eu não leve espiões muito a sério. Não que eu não ame o agente a serviço secreto de Sua Majestade. Pelo contrário. A questão é que moro no país onde planos sigilosos contra o Supremo Tribunal Federal viralizam feito meme e tramoias do governo circulam por corrente de "zap" junto com o golpe do Pix e vídeos de calopsita cantando o hino nacional.

Aqui, quem vive de espionagem à moda antiga precisa complementar renda com bolo no pote. Ou seja, se Bond, James Bond, está “sem tempo para morrer”, o subtítulo da vez, imagina se vai ter paciência com o Brasil.

É por isso que, com o euro mais em conta, uma missão me levou ao submundo de Tallinn, cidade da antiga União Soviética. Mais especificamente, ao secreto 23º andar do Hotel Viru. OK, não tão “secreto” assim.

Durante a Guerra Fria, todos sabiam que a KGB, serviço de inteligência da URSS, havia instalado uma central de escuta no alto do prédio, um dos mais badalados do lado de lá da Cortina de Ferro. O detalhe mais irônico era a sonsa inscrição na porta de entrada —“siin ei ole midagi”, ou “não tem nada aqui”, em estoniano.

No entanto, é claro que tinha. A cobertura do Viru estava aparelhada com todos os gadgets de filme retrô: telefones vermelhos, máquinas de escrever em código, máscaras de gás, antenas e transmissores hoje tão discretos quanto uma máquina de lavar louça.

Os cinzeiros do lobby eram dotados de microfones, para monitorar o papo até dos não fumantes. A sauna também estava sob vigilância, pois empresários pelados tendem a falar de negócios, e pelo menos 60 quartos viviam grampeados, o que rendia situações absurdas, como a do hóspede que, usando o banheiro, se queixou de um perrengue em voz alta para ainda do trono, minutos depois, ouvir a campainha. Um agente deixara um rolo de papel higiênico em sua porta.

Tudo isso vi e aprendi durante um tour pelo andar secreto, agora convertido em museu. Está exatamente como em 1991, quando a Estônia declarou independência e os espiões se escafederam. Ao final da visita guiada, turistas fazem selfies zoeiras na mesa do ex-diretor da KGB. Sinceramente, é o que regimes autoritários merecem.

Um dia, também no Brasil, teremos distanciamento o bastante para achar graça. Estarei entre os que farão chifrinho em retratos oficiais. E por essa declaração, se eu não voltar a este espaço semana que vem, você já sabe. Ou foi queima de arquivo ou a Folha decidiu ampliar o sudoku. Enfim. Só se vive duas vezes.

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