Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu

O Brasil em colapso, e você triste porque saiu com queixo duplo nas fotos

As micromágoas irrompem das camadas mais profundas do nosso ridículo

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Um dia você acorda numa inquietação terrível. Tira a pressão. Normal, 12 por 8. É fim de mês, mas o saldo bancário segue azul. Seu time está na primeira divisão. Até que você se dá conta, humilhado. A culpa é das micromágoas.

Pequenas demais para serem épicas, são frequentes o bastante para que você se sinta diminuído. E quando acumuladas, irrompem das camadas mais profundas do nosso ridículo.

Sim, pois só isso justifica o Brasil em colapso e você triste por sair com queixo duplo nas fotos. Ou por não ter sido avisado que estava com um verdinho no dente.

Fazendo um inventário de minhas próprias micromágoas, listei algumas indignas. Num jantar, o prato do outro chega antes do meu e a criatura começa a comer sozinha: micromágoa. Dou um presente e o presenteado diz que vai abrir depois: micromágoa.

Deixo porta-copos à vista e, ainda assim, a visita apoia latinha molhada no tampo de madeira: micromágoa. E a mais gratuita de todas, que é nutrir um nano-ódio por quem não ativa os dois tracinhos azuis no celular.

Ilustração de uma pessoa com expressão mau humorada com várias pequenas nuvens de chuva em cima de sua cabeça. Uma das nuvens está dizendo "Custava tirar a azeitona? Mas nããão...".
Marcelo Martinez

“O 'zap' é uma fonte cruel de micromágoas”, afirmou uma de minhas cobaias, digo, meus amigos. Afinal, conduzi uma pesquisa científica para checar os níveis do minirressentimento alheio. E, ao analisar os espécimes mais durões e insensíveis de meu convívio, fiz uma descoberta: todos eram poços de micromágoas. “Sofro muito quando faço sinal e o garçom não me enxerga.”

“Fico arrasada quando vou ver série com a pessoa e ela dorme.” “Dói quando empresto um livro e ele não volta pra mim.” “Não receber nem sequer um ‘valeu’ quando seguro a porta do elevador? Absurdo!” E “se tem uma coisa que não perdoo é meu cachorro fazer mais festa para o instalador da Net”.

Às vezes você acha que superou a micromágoa, se fazendo de superior. Por exemplo, quando pedem pizza com azeitona, apesar do seu repúdio. Dá para relevar. Impossível é engolir “que frescura, custa nada catar!”. A apoteose da micromágoa é negarem a ela o direito de existir.

De todo modo, não há como erradicá-las. Micromágoas se renovam. Talvez você fique feliz ao notar que um hóspede esticou o lençol da cama antes de ir embora. Ou que um gentil taxista arredondou o valor da corrida para baixo.

É um reforço de fé na humanidade. Contudo, não se iluda. Após um longo desabafo por escrito, quiçá em forma de crônica, vai ter sempre alguém respondendo às suas inquietações com apenas um emoji de joinha: micromágoa.

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