Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.
Como explicar o que eu estava fazendo durante o terremoto no Japão?
Vivemos no país onde tragédias são causadas por mineradoras e não pertencemos à geração aterrorizada pelos maremotos
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"Planeta: Terra. Cidade: Tóquio". Caminhando pelas ruas da metrópole, fragmentos dessa antiga dublagem ecoavam na minha mente, entremeados pelo tremor do celular no meu bolso. "Tá sabendo o que houve?". "Por favor, dê notícias". "Você está bem?". Num alerta vermelho, mensagens não paravam de chegar.
Eu? Estava ótima. Porém, como explicar a amigos aflitos o que estava fazendo no momento exato em que um sismo de magnitude 7 abalava a costa oeste do Japão?
Condoída pelo noticiário internacional, hoje penso que pouco ou nada sei de catástrofes naturais. Vivemos no país onde tragédias do gênero são causadas por mineradoras que seguem impunes. Sequer pertenço à geração aterrorizada pelo celacanto que provocava maremoto, vendo National Kid em preto e branco na TV.
O fato é que ninguém passa mais de 24 horas num avião impunemente. Na mala, carrega as referências nipônicas de uma vida toda. Tanto que já desembarquei com Heidi, a menina dos alpes. Candy Candy. Don Drácula. Angel e a flor das sete cores. Jaspion. Só o Gênio Maluco, com seus bolinhos de carne, garantiu o excesso de bagagem emocional.
A esta altura do relato, cairia bem eu me fazer de indie, afirmando ter amadurecido e trocado tudo isso pelo karaokê e o guarda-chuva transparente da Scarlett Johansson em "Encontros e Desencontros". Contudo, a verdade sempre vem à tona, feito o Godzilla na Baía de Tóquio. Eu estava em busca de um cinquentão dourado e obscuro que enfrentava baratas intergaláticas gigantes numa maquete que mais parecia construída com biscoito wafer.
O inimigo, desta vez, não era Dr. Gori, o vilão oxigenado e de terninho lilás perfeitamente vincado a ferro que queria dominar o planeta. Nem mesmo Karas, o gorilão assecla cujos cordões de ouro davam-lhe um ar de bicheiro carioca do espaço sideral. Era 1º de janeiro. Nakano Broadway ia fechar já, já. Eu precisava lutar contra o tempo.
Andando pela galeria repleta de Astroboys e todos os tipos de Ultraman, fui atendida por vendedores cosplayers de Pokemón e Kamen Rider. Gentis via tradutor do Google, não me deram esperança. Até que a dublagem profética ecoou de novo. "Quem poderá intervir? Spectreman!". E lá estava ele, "às ordens!", num canto de vitrine.
A seu jeito, meu super-herói favorito salvou Tóquio mais uma vez. Não apenas a superpovoada, mas a afetiva, de cada um. Pessoal e intransferível. Minha Tóquio, depois daquele dia, amanheceu em paz. Força, Japão.
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