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Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. Apaixonada pelas filhas e por literatura, é jornalista de economia na Folha

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Anne Frank e seu diário nos lembram as dores da adolescência

Exposição recria anexo onde jovem e sua família se esconderam na 2ª Guerra; livro marcou minhas filhas na pandemia

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São Paulo

Anne Frank entrou em minha casa na pandemia de Covid-19. Ela, seus dias de confinamento por perseguição na Segunda Guerra Mundial, seus anseios adolescentes e suas dores fizeram parte das leituras noturnas quando eu e minhas filhas ficávamos juntas antes de dormir.

Foram meses em que, trancadas, parecíamos estar no anexo secreto da família Frank. Os momentos de choro por conta da situação que vivíamos estiveram presentes durante a leitura do livro, mas houve comoção forte quando minha filha caçula, na época com sete anos, descobriu que a menina judia que queria ser jornalista, tinha uma gata e chamava seu diário de Kitty morreu.

Reprodução da capa do diário de Anne Frank com foto da menina na capa abre exposição sobre sua vida e a perseguição que sofreu - Folhapress

A ideia de ler "O Diário de Anne Frank" me ocorreu quando a minha filha mais velha —com 13 anos na época— começou a sofrer muito na pandemia com o confinamento. Eu já havia lido o livro na minha adolescência e lembrava como a história me marcou de forma profunda e pedagógica.

Minha intenção era mostrar para minhas filhas que, por pior que fosse a situação de estarmos trancafiadas na pandemia de Covid-19 no Brasil, onde abriam-se valas comuns em cemitérios que não davam conta dos mortos, uma garotinha viveu dias mais difíceis em Amsterdã, sem internet, aula online ou qualquer contato com o mundo exterior.

Quatro anos depois daquele fatídico 2020 cuja pandemia se estendeu mais do que deveria, eu adentrei ao mundo da garota judia por meio da exposição "Anne Frank: Deixem-nos ser", que faz uma ligação entre a situação vivida pela adolescente, os tantos confinamentos a que meninas e meninos ainda são submetidos e traz esperança de liberdade por meio da arte e dos direitos humanos.

A exposição —uma parceria da Unibes Cultural e do Ministério da Cultura com a Associação Inpirar-te— recria de forma fiel o anexo onde Anne e seus pais ficaram confinados na Segunda Guerra, fugindo da perseguição nazista.

O spoiler da história está logo no início: a menina morreu, assim como sua mãe e irmã. Apenas o pai sobreviveu.

Não há como entrar na réplica do anexo e não sentir o sufocamento daqueles dias. Trechos do diário de Anne são lidos e podemos ouvi-los durante toda a visita à primeira parte da exposição. Há barulhos de sino e de tiros. A réplica impressiona.

Não há como não fazer a ligação que eu e minhas meninas fizemos durante a pandemia, entre Anne, Malala, a garota que levou um tiro só porque queria ir à escola e defendida esse direito, jovens refugiadas e tantas outras mulheres e meninas confinadas de alguma forma e submetidas à violência, ao machismo e aos horrores.

"O anexo é o grande chamariz para que a gente possa discutir questões contemporâneas, [discutir] as nossas próprias mazelas. A gente trabalha com uma noção de pedagogia do holocausto, que é justamente voltada para o hoje. Então, através do holocausto, a gente vai discutir questões que nos afligem. Vamos falar de violência, de racismo, de antissemitismo, de situações de desajuste social", diz Carlos Reiss, um dos maiores especialistas em Holocausto do Brasil.

A visita feita por mim e outros jornalistas ocorreu em 1º de agosto, há exatos 80 anos depois da última vez que Anne escreveu em seu diário, em 1944. Há, no local, dois objetos originais da época: um livro, que seria queimado, e uma Estrela de Davi, que identificava os judeus. A estrela pertenceu a Nanette, amiga de Anne, que sobreviveu aos dias de horror e refez sua vida no Brasil.

"Estamos aqui, de certo modo, celebrando um aniversário, pois se a vida dela termina, se as páginas de um diário não podem mais ser escritas, a mensagem que ela deixou permanece obviamente viva. Mais do que história, é memória", afirma Eduardo Duíque, curador de artes.

"Eu acho que a grande surpresa, a experiência do público vai ser impactada quando eles entrarem e se sentirem realmente no teto baixo, naquele espaço de clausura mesmo, que dá a sensação de, ao você entrar, se perguntar: 'como ela pôde ficar tantos anos num espaço tão apertado e pequeno'", diz Elaine Vieira, diretora da Unibes.

"Deixe-me ser" foi o que pediu Anne Frank em seu diário, foi o que pediu Malala, quando quis ir para a escola e, por isso, foi alvejada com tiros e tida como uma opositora do regime Talibã e é o que pedem ainda hoje meninas que vivem certo confinamento em diversas partes do mundo: refugiadas, moradoras de países que não conferem direitos às mulheres, indígenas, negras. Na pandemia, era o que pediam minhas filhas.

A exposição fica em cartaz até 22 de dezembro, na Unibes Cultural, de quarta a domingo, das 13h30 às 19h. A classificação é livre. O valor é de R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia). Há entrada gratuita às sextas-feiras, mediante reserva de ingressos neste link. A reserva deve ser feita às segundas.

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