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Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Floyd, mas diferente

O caso em 2020 nos EUA abriu uma janela de oportunidade que foi frustrada

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O assassinato via sufocamento do negro George Floyd, em maio de 2020, por policiais brancos de Minneapolis deflagrou uma onda de manifestações que varreu os EUA. Há pouco, o assassinato do negro Tyre Nichols, via espancamento, por policiais de Memphis, detonou protestos menores – e uma indisfarçável perplexidade. A diferença é que os assassinos foram cinco policiais negros, numa cidade cuja polícia é chefiada por uma negra defensora da reforma policial.

"O sistema usa negros para matar negros" –o dogma, baseado na varinha mágica do "racismo estrutural", não obteve consenso. Cerelyn Davis, a chefe de polícia, sugeriu excluir o "fator racial" do debate. Os familiares da vítima não o excluíram, mas apontaram a complexidade do cenário.

A leitura distraída do noticiário gera a impressão de que as polícias dos EUA matam mais negros que brancos. O oposto é verdadeiro: entre 2017 e 2022, a polícia matou quase 2.500 brancos, contra cerca de 1.300 negros. Como os negros representam 13% da população total, a chance de um negro ser morto em ação policial é bem maior que a de um branco. Contudo, estudos que controlam variáveis como as taxas de enfrentamentos armados e de crimes violentos revelam a inexistência de viés racial na letalidade policial.

Protesto em Nova York após a morte de Tyre Nichols - Jeenah Moon - 28.jan.23/Reuters

Não existe, então, racismo policial? Sim, existe, em outros planos. Estudos controlados indicam que negros são muito mais visados em abordagens de revista. Floyd e Nichols acabaram assassinados nesse tipo de circunstância.

Há, especialmente, uma sombria herança histórica: o moderno policiamento nos EUA originou-se com as patrulhas de escravos criadas no século 18 para esmagar revoltas de cativos. Desde o início, as polícias enxergaram sua missão como a repressão violenta de inimigos, que não eram cidadãos. No último meio século, a nódoa de origem combinou-se com a adoção de armamentos e métodos de treinamento de natureza quase militar.

Nos EUA, a polícia mata cerca de mil pessoas por ano (quase todas pobres), contra apenas dez no Reino Unido ou na Alemanha (e, no Brasil, em torno de 6.000!). O fenômeno reflete excessivas desigualdades de renda, marcante segregação geográfica urbana e extensa difusão da posse de armas, além da natureza dos próprios corpos policiais. O caso Floyd abriu uma janela de oportunidade para uma reforma policial nacional – que acabou frustrada.

"Desfinanciar a polícia!" A palavra de ordem do Black Lives Matter, encampada pela ala esquerda do Partido Democrata, ajudou os republicanos a bloquearem a reforma policial. Um aumento nos crimes violentos, desde 2021, deu munição eleitoral a Trump e secou a mobilização nacional.

Segundo a tese do "racismo estrutural", os EUA (e o Brasil) estão atavicamente divididos pela fronteira da raça. A polícia, entre outros aparatos estatais, serviria para oprimir os negros, a fim de preservar os privilégios materiais e os interesses permanentes da maioria branca. Parece bem radical, mas é uma posição conformista. De acordo com sua lógica, a maioria nunca será persuadida a abrir mão da polícia racista. A única solução, portanto, seria uma revolução da minoria, algo obviamente impossível.

Nos EUA, os esforços locais de reforma policial estão presos ao foco obsessivo no tema racial. Busca-se, em geral, ampliar a participação de negros nos corpos policiais e colocar negros nas chefias de polícia – como, aliás, fez Memphis. São iniciativas úteis, mas insuficientes. Uma reforma profunda exigiria a adoção de paradigmas de policiamento comunitário, com novos padrões de treinamento e de equipamento, além de leis de restrição à posse de armas.

Nada disso está no radar dos ativistas do "racismo estrutural". Eles preferem repetir que "o sistema usa negros para matar negros", para insistir na utopia do desfinanciamento da polícia.

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