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É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

Escola de autogestão

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Seus olhos brilhavam quando ele falava da rede. Nos responsabilizava, perguntando se estávamos prontos para a transformação que ela promoveria em nossas vidas.

— Vocês estão prontos para a autogestão?

Eu morria de medo. Palavras como rede e autogestão pareciam lançar-me imediatamente no universo da ficção científica. Eu me calava, fascinada, esperando o futuro. O professor Paulo era uma figura empática e acreditava que tudo estaria ao nosso alcance quando a tal rede chegasse. Inclusive a autogestão.

Crédito: Ilustração Zé Vicente

Já faz tempo que estamos em rede e dia após dia sinto que autogestão é algo cada vez mais longe de nós. Diante do festival de vaidade e intolerância no interminável desfile de argumentos e réplicas em que embarramos a cada clique na internet, muitas vezes penso em meu velho professor. Quem sabe ainda está por aí, navegando em luta por sua utopia. Não o encontrei na rede. Talvez tenha morrido. Quiçá com olhos opacos.

Mas nestes últimos dias voltei a imaginar os seus olhos brilhantes, onde quer que eles estejam. O movimento de ocupação das escolas fez reacender muitos olhos por aí. A manifestação é fruto da indignação dos estudantes com a reorganização do ensino proposta pelo governo estadual e tem dado muito o que falar. Diante da triste situação do ensino público do país, do salário dos professores e da estrutura precária de muitas escolas, seria mesmo ingênuo achar que tal mudança, por melhor intencionada que pudesse ser, fosse ser acatada sem barulho. É mesmo difícil ver este tipo de reforma radical ser feita onde há tempos se clama por outra espécie de urgência e radicalidade. Difícil aceitar que seja este o melhor começo, ainda mais envolvendo fechamento de escolas, desprezando relações pessoais e vínculos afetivos.

Pois o barulho cresce. E meu velho coração de estudante começou a bater forte ao ver o movimento ganhar força com incrível capacidade de organização via internet. A ocupação se fortalece dia após dia com organogramas, agendas, recrutamento de professores voluntários e inúmeras atividades criativas de quem pretende não só manter a escola em que estuda mas lutar por motivos reais para frequentá-la. Não dá para simplesmente ignorar o que está acontecendo. E mais: pode estar aí o primeiro passo para a verdadeira e profunda transformação na educação do país.

Rezo pela pureza, serenidade e clareza destes meninos rumo à sua autogestão. Meu velho professor Paulo iria ficar feliz.

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