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Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Governo Bolsonaro vai remover comunidades quilombolas no Maranhão

Cerca de 800 famílias serão atingidas com ampliação do Centro de Lançamentos de Alcântara

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Em meio à pandemia do coronavírus e suas consequências para a população brasileira, sobretudo a mais pobre, que é negra em sua maioria, em meio à insuficiência dos serviços (que deveriam ser) públicos, sucateados e entregues a pessoas que lucram em Bolsas de valores do norte global sem a menor preocupação com o povo desse país, em meio ao completo despreparo de um governante cujas práticas nos envergonham aqui e no mundo inteiro, bem como o caráter racista de seus posicionamentos e projeto político, que mede quilombolas por “arrobas” e que vêm cumprindo, junto ao Ministério da Justiça, todas as suas ameaças às terras desse povo, bem como às terras indígenas, aos olhos complacentes da mídia e do sistema de Justiça brasileiros...

Em meio a tudo isso, 800 famílias de 30 comunidades quilombolas, descendentes de escravizados, que habitam a região desde o século 17, serão removidas e sem que possam se manifestar, a fim de que seja ampliado o Centro de Lançamento de Alcântara, para que seja explorado por outros países, principalmente pelos Estados Unidos, com quem o Brasil já firmou acordo de cooperação.

Trata-se da resolução número 11 do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, assinada pelo Gabinete de Segurança Institucional.

Imperialismo à parte, ainda que não questionemos a medida da cooperação em si, é indispensável frisar que seria possível o mesmo desfecho com a manutenção das famílias quilombolas que lá estão desde o século 17, quando seus ancestrais conseguiram escapar do açoite dos senhores com sede, suor e sangue negro e se estabeleceram no local.

Como bem resumiu Givânia Maria da Silva, integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, a Conaq, “o governo Bolsonaro, descontente e achando pouco ter retirado os direitos de milhões de trabalhadores(as), sendo a maioria negro(a), de ter destruído todas as políticas e órgãos públicos que pudessem atuar de alguma forma para proteger as comunidades quilombolas nesse momento, jogará cerca de 800 famílias quilombolas, sem qualquer infraestrutura, numa atitude que só o racismo explica”.

É um projeto com profundo caráter racista, como bem pontua Daniel Serejo, quilombola de Alcântara e cientista político —“quando o governo decide verticalmente sobre as nossas vidas, na prática rouba o direito de planejar e decidir sobre o nosso futuro, um procedimento que só encontra paralelo no Brasil colônia”.

Especialmente à coluna, o governador do Maranhão, Flávio Dino se manifestou. “Sempre deixamos claro ao governo federal que somos contrários a qualquer remoção compulsória de quilombolas.

Inclusive sempre realçamos que há casos de 30 anos atrás que ainda não foram solucionados”, ele disse, sobre o passivo quando da instalação dessa base. E arremata: “A base pode funcionar do jeito que está. Não precisa remover ninguém”.

Chico Gonçalves, à frente da Secretaria dos Direitos Humanos e Participação Popular do estado, contesta a falta de consulta popular para a medida, uma necessidade imposta pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Em que pese ela estar prevista nessa resolução, as remoções já estão definidas, sem que nenhuma comunidade quilombola tenha sido consultada.

Em nota assinada e encabeçada pelos sindicatos de trabalhadores rurais da região, organizações do movimento negro, comunidades quilombolas e pelo movimento de mulheres, os signatários consideram a medida arbitrária e ilegal, uma vez que afronta os dispositivos legais de proteção dos direitos das comunidades remanescentes de quilombos e denunciam “ao povo brasileiro que o governo Bolsonaro, submisso aos interesses do governo dos Estados Unidos, além de entregar nossa base de lançamentos, medida que inviabiliza o desenvolvimento de nosso conhecimento e tecnologia aeroespacial, também entrega de bandeja o povo quilombola que vive em seus territórios há centenas de anos”.

É bom que se lembre que no país dos laranjas do Queiroz e onde meninos usam azul e meninas usam rosa, não é de se espantar que um governo como esse atropele as leis e convenções para entregar a soberania do Brasil de bandeja ao “amigo” do norte.

Entretanto, se ainda resta um pingo de institucionalidade nessa terra arrasada, a remoção há de ser barrada. No que depender da força dos ancestrais e do espírito de resistência das comunidades, o povo quilombola de Alcântara ficará onde está. Que as instâncias responsáveis possam contribuir para a justa permanência.

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