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Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

Fui surpreendida por uma possível saudação nazista

Em diversos países aquelas fachadas configurariam apologia

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No começo deste mês, eu, meu companheiro e nossos filhos viajamos para uma cidade de Santa Catarina. Um amigo, que me deu dicas do que fazer na região, já havia me contado sobre a existência de uma casa possivelmente exibindo uma saudação nazista, mas eu não botei muita fé. Quer dizer, conhecendo bem o estado e sabendo que 69% de seu eleitorado votou em um fascista, até botei, mas achei que era coisa discreta, furtiva. Tanto que, não tendo o endereço, nem esperava encontrar a tal residência, embora meu espírito de jornalista já estivesse atento desde o momento em que saímos da estrada repleta de araucárias e entramos na avenida de casinhas bucólicas entremeadas por vitrines com casacos e cachecóis.

Foi no segundo dia, que o telhado despontou ao acaso, rompendo a serenidade do céu azul. Lá estava a palavra HEIL, escrita com telhas, grande e destacada o bastante para ser lida a distância.

Estrada em cidade catarinense - 23.jun.20/Folhapress

Meus enteados, de 14 e 18 anos, perguntaram se aquilo era de fato uma alusão ao nazismo. Expliquei que possivelmente, já que Heil, Hitler (Salve, Hitler) era uma conhecida saudação nazista, familiar a todos que falam alemão e aos que sabem um pouco mais sobre a Segunda Guerra.

O que nos fez pensar na conivência da comunidade à nossa volta. E na das autoridades. Por que a polícia não faz nada? O mais velho perguntou. Naquele momento, eu não tinha resposta. Precisei voltar de viagem e conversar com uma advogada criminalista para saber.

Em diversos países, aquelas fachadas configurariam apologia –na Alemanha, qualquer tipo de referência ao nazismo é crime e as redes sociais também são punidas por qualquer manifestação dessa ordem. No Brasil, a lei prevê punição apenas para o uso da suástica, algo que precisa ser revisto com urgência já que o neonazismo utiliza códigos diversos, como o 88 (repetição da oitava letra do alfabeto, HH de Heil, Hilter) e vem criando outros a cada dia, na velocidade do mundo digital, para se comunicar com seus adeptos sem policiamento. De qualquer forma, como vim a saber, mesmo com a nossa legislação, há brechas para impedir o uso do Heil.

Já planejando tirar uma foto para esta coluna, pedi para o meu companheiro estacionar perto das casas. Eu e meus enteados descemos. Cogitei tocar a campainha, talvez conversar com os moradores, mas fiquei receosa de envolver os garotos numa situação imprevisível –uma vez quase apanhei ao fotografar uma casa na colônia Witmarsum.

Ficamos um pouco por ali. Eu tirando fotos, os dois fitando as construções. Num certo momento, virei para o lado e vi o rosto do mais novo, a expressão triste emoldurada pelo capuz de moletom. Lembrei o que ele tinha passado havia poucas semanas: o medo de ir para aula e ser morto a tiros ou facadas quando anunciaram possíveis ataques –um terço dos episódios ocorridos em escolas do país é ligado ao neonazismo.

Chamei os dois para ir embora. Embarcamos num silêncio soturno que só foi rompido quando chegamos ao nosso destino.

Erramos: o texto foi alterado

É incorreto afirmar que a inscrição Heil no telhado dos imóveis "muito provavelmente" seja uma referência a uma saudação nazista, como publicado em versão anterior deste texto.

 

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