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Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Está mais fácil ser pinguim do que ser gente

Sphen nunca foi agredido por amar outro pinguim

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Na última quinta, morreu Sphen, pinguim que se tornou ícone do casamento homoafetivo por viver ao lado de seu parceiro Magic, com quem chocou dois filhotes adotivos num aquário da Austrália. Ao que tudo indica, nenhum familiar da ave deixou de lamentar a sua morte por ele ter vivido essa relação.

Da mesma forma que nenhum outro pinguim chamou Sphen de boiola ou queima-rosca quando ele se apaixonou por Magic, há seis anos, nesse mesmo aquário.

O casal de pinguins machos Sphen e Magic, do aquário de Sydney, na Austrália - Divulgação

Não sei se Sphen estava preparado, mas certamente não estava fechado para esse tipo de relacionamento. Quando, ainda pequeno, andava pela geleira se sacudindo todo, nenhum pinguim cutucava o outro e sussurrava: esse leva jeito. Quando a pinguizada ia tomar banho perto de Sphen, ninguém advertia: cuidado pra não derrubar o sabonete.

Quando Sphen começou a ensaiar o canto de acasalamento, ninguém ficou avaliando se sua voz era fina demais. Mesmo quando ele e Magic começaram a se curvar um para o outro, gesto de flerte típico dos pinguins-gentoo, ninguém olhou torto para os dois.

Sphen pode ter apanhado por causa de umas sardinhas, mas bullying, nunca sofreu. Não há indícios de que a comunidade tenha isolado o pinguim num canto do aquário só porque ele andava interagindo demais com seu amigo. Quando esfriava muito e os animais se aglutinavam para esquentar um ao outro, nenhum macho tinha medo de dar as costas para Sphen, nem de sentir um calor perturbador ao tocar o seu corpo.

O pinguim nunca perdeu tempo olhando seu reflexo na água e treinando como daria a notícia para seus pais. Tampouco precisou encaixar sua barriga rotunda dentro de um armário. E sofrer para sair lá anos depois.

A família de Sphen não mandou o jovem para terapia, nem o levou à igreja para sessões de cura. O pai de Sphen não deu um murro na geleira e gritou: o que os outros pinguins vão pensar? A mãe não ameaçou se jogar no Oceano Glacial Ártico a uma temperatura de -70°C. O tio de Sphen não arrastou o macho para acasalar com outra fêmea: vai que assim toma gosto.

Sphen não construiu um ninho com uma pinguim e fingiu que gostava dela. Não chocou ovos com quem não queria. Não sentou num iceberg tomando uísque on the rocks e sofrendo pelo que não viveu. Não criou filhotes que um dia lhe perguntariam: por que tantos anos sustentando uma mentira?

Nos vídeos disponíveis na internet, vemos Sphen levando alimentos no bico para Magic, enquanto esse chocava um dos filhotes adotivos. Sphen caminha rápido, visivelmente animado com a tarefa, e em nenhum momento olha para lado preocupado com os outros.

Sphen nunca teve vontade de morrer e nascer outro pinguim.

Não foi espancado até a morte por amar outro macho. Não foi carbonizado dentro de um carro por amar outro macho, como aconteceu com equivalentes de outra espécie.

Morreu porque adoeceu, deixando os filhotes Sphengic e Clancy. Ao perceber que seu parceiro tinha partido, Magic cantou um canto de luto, acompanhado pelos outros pinguins do aquário em seus solenes fraques.

Se não fosse o aquecimento climático, essa espécie nunca saberia sobre as coisas horrendas que outra espécie é capaz de inventar.

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