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Descrição de chapéu

Seleção teve chance de lavar a camisa suja de sangue, suor e vergonha

Se tivessem escolhido não jogar em homenagem aos 500 mil mortos, teriam purgado do sete a um à imundície de Caboclo

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Futebol é a mais importante das coisas sem importância, dizia Arrigo Sacchi, que foi técnico sem ter sido jogador. Quando perguntado se isso não era um problema, dizia que, pra ser um jockey, o sujeito não precisa ter sido um cavalo.

Gosto muito de futebol, especialmente quando deixa de ser só futebol. Em 1994, quando Romário, com 1,68 metro, fazia gol de cabeça nos 
suecos de 1,90 metro, aquilo não era futebol. Era a redenção dos baixinhos do mundo todo. A sagacidade podia vencer o tamanho, a malandragem podia dobrar a força física. Não se tratava de chegar ao lugar mais alto, mas de esperar no lugar certo.

Ilustração de Catarina Bessell para a coluna de Gregorio Duvivier publicada em 8 de junho de 2021 - Catarina Bessell/Folhapress

Um mundo se abriu pra mim, baixinho desde pequeno. “Estar pronto é tudo”, dizia Hamlet, e quando ouvi isso só pensava no Romário.

Em 1998, uma seleção invicta e infalível (pra mim) entrou favorita em campo e tomou de três a zero. Não era só futebol, tinha dedo do Sobrenatural de Almeida —aprendi nesse jogo a contar com o inexplicável.

Em 2002, o Brasil ganhava da máquina alemã com Ronaldo de cabelo cascão e Rivaldo fazendo corta-luz. Zeca Pagodinho cantava 
“Deixa a Vida Me Levar” e o Brasil elegia seu primeiro presidente operário. Tudo parecia interligado, mesmo que não estivesse. De uma coisa eu tinha certeza: não era só futebol.
Em 2010, a seleção foi parar nas mãos de Dunga —esse cavalo que nunca foi jockey. Felipe Melo faz nosso primeiro gol contra na história das Copas e em seguida pisa, de sacanagem, na coxa do Robben, o craque holandês.

Ali também deixou de ser só futebol. Parecia o prenúncio de 2014 —o sete a um que deu origem aos últimos sete anos. A camisa da seleção passou a querer dizer outra coisa. Nunca vou entender, mas foi depois do nosso maior vexame internacional que a direita se apropriou do uniforme, como quem diz: taí, esse é o Brasil que eu quero. A identificação se deu no vexame.

Nesta semana, a seleção brasileira teve a chance de lavar essa camisa suja de sangue, suor e vergonha. Se tivessem escolhido não jogar em homenagem aos 500 mil mortos, e dos tantos que estão por vir, teriam lavado a camisa do gol contra, do pisão na coxa, do sete a um, das passeatas pedindo intervenção militar, da podridão do Marin, da bandidagem do Del Nero, da imundície de Caboclo, dos milhões sonegados pelo seu maior craque.

Preferem continuar sonegando. Talvez argumentem: é só futebol. Não é só futebol. Nunca foi.

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