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O vale-night

Não é difícil reconhecer um casal que conseguiu uma noite longe do neném

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Faz alguns anos que ouvi falar, pela primeira vez, em vale-night.O leitor sem filhos talvez estranhe a expressão anfíbia, meio-brasileira-meio-gringa, minotauro linguístico. Mais natural seria chamarmos de vale-noite, ou de night-voucher. Mas a night não é qualquer noite. O anglicismo designa a noite quando preenchida por alguma expectativa de farra --assim como chamamos de job o trabalho gourmetizado.

O vale-night acontece quando outros responsáveis, voluntários ou remunerados, assumem a guarda da criança por algumas horas e então o casal puérpero ganha esse alvará de soltura pra sair da caverna. Quando a avó (geralmente só ela) topa ficar com a criança até o dia seguinte, trata-se do sonhado vale-morning. Há quem disponha até de vale-weekend. Mas quero me ater aqui ao primeiro indulto do casal puérpero.

Não é difícil reconhecer um casal lançando mão do seu primeiro vale-night. A pele do rosto destoa pela palidez. Suas roupas cheiram a guardado, já não cabem tão bem no corpo. O casal está, no entanto, arrumado: vê-se que faz tempo que sonhava com isso. Olham maravilhados ao seu redor, não sem estranhamento: "Pra ler o cardápio tem que escanear o QR code?".

Ilustração publicada em 29 de junho de 2022 - Catarina Bessel

O casal corre contra o relógio e tem sempre um olho no celular pra ver se alguém ligou. Ela prefere o drinque ao chope, porque tem pouco tempo pra ficar bêbada. Ele bebe o chope de uma vez só, com a sede de um tuareg. Ela, que parou com o cigarro, volta a fumar. Ele, que nunca fumou, tem vontade de começar, só pra saber onde põe as mãos. Tudo ao redor parece estranho. "Quando foi que começaram a combinar biquíni com calça comprida?", perguntam-se os dois alienígenas.

E então acontece a última coisa que imaginaram que pudesse acontecer. O casal que estava louco pra ficar um tempo longe do bebê, que tanto arquitetou pra conseguir essa fuga, começa a sentir saudades do neném. Ambos procuram o cheiro do bebê em algum canto das suas roupas, feito adictos atrás de um papelote. Tudo degringola quando um deles pega o celular e os dois navegam pelas fotos do recém-nascido, com os olhos encharcados. De repente as horas que os separam do neném parecem séculos. Os quilômetros parecem continentes. Então eles se apressam em pedir a conta e correr de volta pros braços do algoz que os mantinha prisioneiros.

Em casa, percebem que o mundo lá fora nunca estará à altura da ideia do mundo lá fora. Mas logo começam a planejar quando será a próxima decepção.

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