Siga a folha

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

Descrição de chapéu
Gustavo Alonso

Mulheres seguem excluídas de bandas de sertanejo

Apesar do crescimento do feminejo de nomes como Marília Mendonça, as instrumentistas ainda são minoria

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Em clipes recém-lançados no YouTube para promover novas músicas, Paula Fernandes inovou ao cantar acompanhada de uma banda com duas instrumentistas, uma tocando bateria, e a outra, guitarra. Mulheres músicas ainda são raras no sertaneja mesmo depois de dez anos de feminejo, subgênero que incorporou as cantoras de vez ao mundo do sertão.

Se você estranhou o uso do termo música para se referir à mulher instrumentista, isso se deve ao fato de termos poucas mulheres em bandas Brasil afora. Assim como dizemos que a mulher que se formou em física é uma física e a que estudou estatística é uma estatística, não deveria causar espanto uma música entre nós. Mas causa.

Daí muitos preferirem o termo musicista, embora esse termo também possa ser usado para os músicos homens. O campo profissional de instrumentista é um das profissões que mais deve na inclusão igualitária à mulher.

Marília Mendonça morreu no auge de sua carreira, em novembro 2021 - Divulgação

Quem convive com instrumentistas sabe que muitas vezes as músicas são preteridas. São aceitas se forem cantoras, violinistas, pianistas e flautistas, mas, se tocarem instrumentos tradicionalmente dominados por homens, são logo escanteadas.

Qual foi a última mulher que você viu tocando guitarra? Quem já viu uma mulher tocando trombone? Qual música gaitista ou baixista você conhece? Mulheres percussionistas são raras. São raras ou não têm espaço?

Foi há quase dez anos que as cantoras começaram a ganhar espaço na música sertaneja, gênero tradicionalmente dominado por homens. Em 2015, só havia uma música cantada por mulher entre as 20 mais tocadas nas rádios ("Bem Feito", de Thaeme e Thiago). Em 2016, esse número passou para 5 ("Infiel", de Marília Mendonça; "10%" e "Medo Bobo", de Maiara & Maraísa; "50 Reais", de Naiara Azevedo; e "Piração", de Paula Fernandes).

No YouTube, os números também endossavam a ascensão feminina. Se em 2015 não havia nenhuma mulher entre os cinco vídeos mais vistos da plataforma, em 2016 Marília Mendonça e Maiara & Maraísa ocupavam, respectivamente, a segunda e a quinta posição. Dali até sua morte em 2021, Marília se tornou a artista mais popular não apenas do feminejo, mas de toda música brasileira.

De lá para cá, as mulheres cantaram sobre diversão, bebidas, farras e traições, os mesmos temas dos rapazes. Mas houve inovações. A violência doméstica foi tema de algumas canções, como em "Perdeu a Razão", de Joelma e Marília Mendonça, "Coração Pede Socorro", de Naiara Azevedo, e "Ele Bate Nela", gravada por Simone & Simaria. Mas o que praticamente não mudou foi o fato de que as mulheres seguem ausentes das bandas, mesmo quando essas bandas acompanham cantoras.

Os músicos da banda de Marília Mendonça, que viajaram o Brasil no famoso projeto "Todos os Cantos", eram todos homens. O mais recente trabalho de Naiara Azevedo, o DVD "Plural", não tem nem uma mulher sequer na banda. Nem como backing vocal. No festejado projeto "Raíz Goiânia", de Lauana Prado, a única mulher a ostentar um instrumento é a própria cantora.

O último trabalho das irmãs Maiara & Maraísa, o álbum "Ao Vivo Em Portugal", tem algumas músicas tocando na orquestra. São violinistas sobretudo. Mas o núcleo sertanejo da banda, ou seja, bateria, baixo, violões, acordeons, guitarras, percussão e teclados, continuam nas mãos dos homens.

Há duas semanas, a cantora Paula Mattos lançou a canção "Ligeira", que tematiza a mulher empoderada do sertanejo: "Ela que banca a própria cachaça/ Só sai de casa pra ficar doidaça/ Independente, solteira, ela pega, ela beija". No vídeo publicado no YouTube, cinco músicos acompanham a cantora. Nenhuma mulher empoderada toca na banda de Paula Mattos.

Há 15 dias, Simone Mendes lançou o clipe de "Mulher Foda", canção do seu mais recente projeto, o DVD "Cantando sua História". A letra diz: "Abaixa esse tom de voz/ Quem você pensa que é?/ Primeiro passo pra ser homem/ Aprende a tratar direito uma mulher/ É que eu não aceito/ Colocar dedo na minha cara/ Eu sou mulher demais/ Pra engolir sapo calada". Apesar do discurso de exaltação das mulheres, nenhuma entrou em sua banda.

A exclusão das instrumentistas não é especificidade das novas artistas. Em 2017, a tradicional cantora Roberta Miranda lançou o DVD "Os Tempos Mudaram", que celebrava o feminejo com participação de todas as grandes estrelas cantando com ela. Mas nenhuma mulher foi incorporada à banda que toca no DVD.

Tampouco havia mulheres no regional que acompanhava Inezita Barroso em seu programa semanal, o "Viola, Minha Viola", que foi veiculado na TV Cultura de 1980 a 2015, ano da morte da apresentadora.

As artistas do feminejo conseguiram vitórias consideráveis na inclusão da mulher no sertanejo. Mas as bandas ainda são quase sempre territórios exclusivos dos machos endossados por mulheres supostamente empoderadas, que quase nunca dão brechas a talentosas músicas. Até quando?

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas